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Como em terra de cego quem tem um olho é o rei, Jaques manobra forte mirando 2018

Adriano Ceolin

Quando foi avisado por seus assessores mais próximos de que o Palácio do Planalto começara a confirmar sua nomeação para a Casa Civil, Jaques Wagner deu uma ordem em tom baixo e sereno: “Vamos ficar low profile”. Ele usou a expressão em inglês para pedir discrição. Afinal de contas, em toda carreira política, Wagner alçara a postos cada vez mais altos sempre com o perfil de baixa exposição, longe de disputas públicas ou protagonismo imediato. Por essa razão, quando a Operação Lava Jato começa a escrutinar sua relação com empreiteiros, Wagner passa por seu maior e decisivo teste: sobreviver e se viabilizar como candidato alternativo a presidente pelo PT em 2018 caso Luiz Inácio Lula da Silva saia do páreo.

Desde que seu nome apareceu em mensagens reveladas pelo Estado que apontaram estreita relação com o ex-presidente da OAS Léo Pinheiro, Wagner se manteve submerso nos bastidores do governo. Evitou contato com jornalistas e tardou em dar sua versão dos fatos.

A postura atual reflete os seus mais de 30 anos de atividade política. No movimento estudantil, sua então namorada e depois segunda mulher, Bete Wagner, teve mais destaque que ele dentro do PCB – partido que funcionava na clandestinidade. Na vida sindical, Wagner omitia seu passado de universitário para ganhar a confiança dos trabalhadores e, em seguida, virar presidente do Sindicato dos Petroleiros em Camaçari (BA). No PT, esperou dez anos antes de se candidatar à Câmara dos Deputados. Em Brasília, nos anos 1990, aceitou papel de coadjuvante de José Dirceu, José Genoino e Aloizio Mercadante. E, diretamente com Lula, selou sua maior aliança dentro da fogueira de vaidades do PT.

A química entre os dois sempre deu certo por causa do passado sindical. Não por acaso, quando Lula se elegeu presidente, escolheu-o como ministro do Trabalho. Dois anos depois, quando foi preciso arranjar cadeiras para o PMDB no governo, Wagner teve de ser realocado para o desprestigiado Conselho de Desenvolvimento Econômico Social (CDES). Em vez de reclamar, aproveitou a oportunidade e, um ano depois, a pasta transformou-se na Secretaria de Relações Institucionais (SRI), que fundiu a articulações política, social e empresarial do governo.

Dois meses antes, acabara de eclodir o mensalão, que obrigou José Dirceu, então chefe da Casa Civil, a deixar o governo. Havia um ano, a articulação política já vinha sendo compartilhada de forma tumultuada com Aldo Rebelo (PC do B), então ministro da Secretaria de Coordenação Política. Para acabar com os problemas e reorganizar a base, Lula demitiu Aldo e escalou Wagner para a SRI, que absorveu a Coordenação Política Ele foi bem-sucedido. Apesar da enxurrada de denúncias contra o PT, Lula não foi atingido e conseguiu se reeleger em 2006.

Governador – Naquele ano, o prestígio de Wagner na articulação política ajudou-o no seu projeto pessoal de poder. Comendo pelas beiradas, aproximou-se de Geddel Vieira Lima, principal liderança do PMDB na Bahia. Os dois se uniram para derrotar o poderoso grupo de Antonio Carlos Magalhães (no então PFL). Em 2006, ao contrário do que previam as pesquisas, Wagner, aos 55 anos, foi eleito governador da Bahia em 1.º turno. Quatro anos depois, repetiu o feito. E, em 2014, mais uma vez voltando ao seu estilo low profile, preferiu não disputar uma vitória certa ao Senado para manter aliados ao seu redor. Também não usou o peso de Lula para ganhar um gabinete no Palácio do Planalto.

Entre seus mais próximos, Wagner revelou que preferia ficar fora dos holofotes do governo e fez chegar à presidente Dilma Rousseff que gostaria de ser ministro da Defesa. Apesar de o nome dele ter sido cotado para a Casa Civil desde que Dilma foi reeleita, sempre mandou que seus assessores desmentissem a hipótese rapidamente. Segundo aliados, ele sabia que o primeiro ano do segundo governo da petista seria marcado pelas ações da Operação Lava Jato. Dez meses depois, porém, não teve jeito. Por pressão de Lula, do PT e do PMDB, Dilma acabou nomeando Wagner para o comando da Casa Civil. Sua missão era a de reorganizar a esfacelada base aliada. Entretanto, no momento em que os resultados do seu trabalho começaram a aparecer e o impeachment passou a dar sinais de que perdeu força no Congresso, aconteceu o que se previa: Wagner entrou na mira das investigações.

Sua relação com empreiteiros, especialmente com os baianos Ricardo Pessoa, da UTC, e Léo Pinheiro, da OAS, será passada a limpo. Mensagens obtidas e reveladas pelo Estado mostram uma parceria incomum que dava frutos em obras para as construtoras e doações para as campanhas petistas na Bahia. Em 2002, Wagner conseguiu apenas R$ 383 mil em doações contra R$ 4,2 milhões do seu principal adversário, Paulo Souto (então no PFL). Em 2014, seu sucessor, Rui Costa (PT), arrecadou impressionantes R$ 32 milhões – quase 40 vezes mais que na primeira eleição de Wagner, segundo valores corrigidos pela inflação.

Carlismo – Essa inversão também se deu nos grotões. Após a passagem de Wagner pelo comando do Estado, o carlismo foi praticamente extinto no interior baiano. A partir de 2006, o então governador estimulou a saída dos prefeitos do PFL para siglas aliadas a ele, como PR e PP. Em 2007, o PFL tentou se reinventar mudando o nome para DEM (Democratas). Não surtiu efeito. E, para piorar, o então prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, liderou uma cisão na legenda para criar o PSD, alinhado ao governo federal.

Wagner foi o principal governador petista a estimular a criação do PSD e, consequentemente, a migração de políticos de outras siglas para o partido. Eleito vice-governador na chapa de Wagner pelo PP, o ex-carlista Otto Alencar foi um dos políticos baianos que engrossou as fileiras do PSD em 2011. No ano seguinte, o DEM conquistou apenas sete prefeituras contra 94 do PT, 69 do PSD e 52 do PP. A derrota só não foi mais acachapante porque na capital Salvador, ACM Neto foi eleito e deu sobrevida ao carlismo.

Em Brasília, Wagner conseguiu diminuir por ora as chances de impeachment de Dilma. Em outubro, quando assumiu, o mapeamento do Planalto apontava cerca de 150 deputados como fiéis ao governo. Uma margem apertada, tendo em vista que para o impeachment passar na Câmara são necessários 342 dos 513 votos possíveis. Ou seja, ao menos 171 deputados têm de se posicionar contrariamente. Pouco mais de três meses depois de sua posse, o governo considera como fiéis 250 deputados, número que inclusive tem sido alardeado pelo próprio Wagner em entrevistas. O maior símbolo disso é a reaproximação de Dilma com o vice-presidente Michel Temer. Ele se movimentou a favor da queda da presidente, mas acabou sendo obrigado a recuar por falta de apoio do PMDB do Senado. Mais especificamente do presidente da Casa, Renan Calheiros (AL), com quem Wagner mantém ótimo relacionamento. Desde os tempos do mensalão.

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