O ex-presidente Michel Temer disse que quer ser reconhecido como um reformista, alguém que tenha tido a iniciativa de apresentar ao Congresso reformas importantes, como a da Previdência, que vem sendo analisada por Câmara e Senado. “Eu peguei uma estrada esburacada e entreguei uma estrada asfaltada para o novo governo. Eu espero que a história registre que eu ajudei as reformas do país”.
Em entrevista à BBC News Brasil, em Londres, Temer disse ainda que a “forma de falar” do presidente Jair Bolsonaro acabou criando um problema internacional. Ele se referia à abordagem de Bolsonaro às críticas que o governo recebeu durante as queimadas na Amazônia e Cerrado. “O estilo do presidente é mais de confronto, diferentemente do meu, que ignorava essas questões ou simplesmente agregava as pessoas. Claro que isso não é bom para a imagem do país”, disse.
‘Ele (Janot) disse que me disse os maiores palavrões e saiu de lá. Imagina se ele dissesse um palavrão pra mim? Eu o punha fora de casa’, disse Temer.
Temer admitiu que, enquanto ainda era vice-presidente, conversou com o ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot sobre o ex-deputado Eduardo Cunha, mas negou que tenha pedido para parar investigações.
“Ele me procurou para pedir que eu avisasse o presidente da Câmara que ele iria ser objeto, por força da atuação do procurador-geral, de um pedido de inquérito. Eu me surpreendi um pouco com aquilo e ponderei a ele: mas Dr. Janot, o senhor é procurador-geral da República, ele é presidente da Câmara, isso vai criar um problema institucional extraordinário, não há um outro caminho?”
Janot relata, em livro de memórias, que Temer e Henrique Eduardo Alves teriam pedido a ele para não investigar Cunha. No mesmo relato, o ex-PGR disse que deu uma resposta dura e usou palavrões.
“Ele (Janot) disse que me disse os maiores palavrões e saiu de lá. Imagina se ele dissesse um palavrão pra mim? Eu o punha fora de casa”, afirmou Temer.
Questionado sobre o uso repetido da palavra “golpe” para se referir ao impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, Temer disse que “o impeachment aconteceu com toda naturalidade.”
A entrevista, que levou cerca de 40 minutos, foi feita na residência do embaixador do Brasil em Londres na quarta-feira (16), antes da divulgação de que o juiz Marcos Vinícius Reis Bastos, da 12ª Vara Federal Criminal de Brasília, absolveu Temer da acusação de obstrução de Justiça.
Temer foi denunciado em 2017 por Janot, que viu no diálogo com Joesley Batista uma tentativa de compra do silêncio de Cunha. De acordo com o juiz, o diálogo —famoso pelo trecho “Tem que manter isso, viu?” — não indicou o cometimento de crime por Temer. Cabe recurso da decisão.
A seguir, os principais trechos da entrevista:
Em entrevista anieroor o senhor disse que o governo do presidente Jair Bolsonaro ia bem porque dava continuidade ao seu. O senhor continua tendo essa avaliação?
Continuo. Naquela oportunidade, eu disse: o governo Bolsonaro tem mais ou menos 20% do seu governo, portanto, se eu fosse comparar com jogo de futebol, de 90 minutos, então 20% são 18 minutos. É esperar o fim do jogo. No caso do presidente Bolsonaro, eu ressaltei dois pontos: primeiro, que há pouco tempo e precisa dar mais tempo para identificar como as coisas caminham. Em segundo lugar, enfatizei que o governo vai bem, entre outras razões, porque não fez aquilo que muitos governos costumam fazer. Você chega ao governo e destrói tudo que o governo anterior fez. Ao contrário, o que ele providenciou foi dar sequência a tudo aquilo que fizemos ao longo do meu governo. Nesse sentido, acho que o governo vai bem.
Em participação no programa Roda Viva, o senhor usou a palavra “golpe” várias vezes. Quem acompanha o senhor sabe que o senhor é uma pessoa que calcula as palavras. É difícil acreditar que tenha sido um ato falho. O senhor hoje avalia que o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff foi um golpe?
Não. Era preciso verificar o contexto todo da entrevista. Sempre se disse que eu trabalhei pelo impeachment. E as perguntas que vieram tentavam demonstrar ou revelar se eu participei ou não do impeachment. Em muitos momentos, um ou dois entrevistadores falaram em golpe. Eu disse: eu jamais participei. Tanto que eu disse que, quando começou o processo na Câmara dos Deputados, como o vice-presidente é sempre o primeiro suspeito, eu vim para São Paulo e fiquei três, quatro semanas em São Paulo. E só voltei a Brasília três dias antes da votação na Câmara. Então eu disse: eu não participei de absolutamente nada. Evidentemente, não participei do golpe. Eu disse realmente isso.
Sequencialmente, o (Ricardo) Noblat me perguntou ‘mas presidente, houve golpe ou não houve golpe?’. E aí as pessoas não quiseram ver ou ignoraram. Eu disse: só se a Constituição brasileira admitir o golpe, porque a Constituição diz que quando se afasta o presidente, quem assume é o vice. E foi isso que aconteceu, com muita naturalidade.
Eu me opunha à ideia de que eu havia tramado, operado o impeachment, tanto que eu ressaltei muito um telefonema que o ex-presidente Lula me deu naquela oportunidade para ver se eu poderia ajudar junto ao MDB a manter o mandato da senhora ex-presidente. E eu até conversei com o MDB, mas naquele momento havia um clamor popular muito grande. Sabe como é, os deputados, senadores, no geral, acompanham aquilo que o clamor popular pleiteia. Então não foi nem possível derrubar as barreiras que já estavam no MDB. Mas com isso eu ressaltava: veja como eu não trabalhei pelo impeachment. O impeachment aconteceu com toda naturalidade. Mas pegaram um ou dois momentos em que se falou em golpe e disseram ‘olha aí, o Temer está dizendo que houve golpe’.
Mas não é que ‘se falou’. O senhor usou a palavra ‘golpe’ mais de uma vez e no começo da entrevista. Quer dizer, o senhor estava com isso em mente. E, depois da entrevista, circularam mensagens no Twitter tentando resumir o que o senhor falou no programa, com a seguinte ideia: ‘fizeram o golpe pra mim e eu aceitei’.
(Risos) O resumo está equivocado. Se você pegar o todo, como acabei de registrar, você veria que expressamente, em um dado momento, eu disse praticamente em letras garrafais: não houve golpe.
O ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot disse que o senhor e o ex-deputado Henrique Eduardo Alves o procuraram para pedir que ele parasse qualquer investigação contra o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha. Por que o senhor pediu essa ajuda para o Cunha, conhecido por ter tomado a frente do impeachment da ex-presidente Dilma?
Eu acho que você deveria me perguntar por que o ex-procurador-geral, aquele que tentou entrar no Supremo Tribunal Federal para assassinar um ministro, mentiu.
Na verdade, a conversa que se deu foi com o seguinte conteúdo: ele me procurou para pedir que eu avisasse o presidente da Câmara que ele iria ser objeto, por força da atuação do procurador-geral, de um pedido de inquérito. Eu me surpreendi um pouco com aquilo e ponderei a ele: mas Dr. Janot, o senhor é procurador-geral da República, ele é presidente da Câmara, isso vai criar um problema institucional extraordinário, não há um outro caminho? Uma investigação, aquele tal processo preliminar de investigação? Ele disse “não, não é possível, eu já estou com tudo pronto para dar entrada nessa matéria”. O procurador-geral resolveu, digamos assim, turbinar essa matéria. A nossa preocupação era exatamente essa, você vai criar — e criou, naquele momento — um clima institucional muito tormentoso. Ele era procurador-geral e o Eduardo Cunha era presidente da Câmara. Foi isso. E ele turbinou essa matéria.
Mas lamento dizer que ele é um mentiroso contumaz. E a mentira contumaz a que me refiro diz exata e precisamente às duas denúncias que ele ofereceu contra mim. E que hoje, reveladas por uma figura emocionalmente instável. Quem leu aquele livrinho dele, que saiu pela internet, percebeu que ele se dava ao vício, digamos assim, da bebida. Ele confessa que tinha uma chamada farmacinha, que era um bar que ele tinha e nas dificuldades ele ia lá e tomava algumas pitadas.
Eu lamento, porque as próprias denúncias que se verificaram, hoje, são fruto desse clima emocional que ele vivia, coitado, um clima emocional muito conturbado, que levou até a esse absurdo de um procurador-geral, que deveria dar o exemplo, dizer que portava uma arma para matar um ministro do Supremo Tribunal Federal.
Mas o senhor acha que tudo aconteceu por causa de um problema emocional dele? As instituições não funcionam?
Isso eu não saberia dizer. É um problema psicanalítico. Ele teria que ir ao psicanalista, um psiquiatra, e verificar qual é a exata razão. Estou dando fatos concretos, que ele revela no livro.
O senhor disse que Janot ‘turbinou’ um pouquinho. O senhor está dizendo que não disse para ele parar as investigações, mas para pegar leve?
Não é ‘pegue leve’. A expressão não era essa. Eu apenas ponderei, porque levei um choque. Eu era vice-presidente. Um conflito entre o PGR e o presidente da Câmara cria problemas institucionais. Mais do que legitimamente, fiz ponderações a ele neste sentido. Mas você sabe que ele disse, até que me disse os maiores palavrões e saiu de lá. Imagina se ele dissesse um palavrão pra mim? Eu o punha fora de casa. Jamais houve esse tipo de palavrões.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, acusou o senhor de conspirar contra Dilma e disse que o senhor operou no processo de impeachment.
Isso foi um equívoco dele. Veja que interessante, no dia seguinte havia uma convenção do PMDB, que eu não compareci, mas os que lá estavam disseram ‘olha, você foi elogiadíssimo por todos os participantes do MDB. Todos que usaram a palavra. Mas a palavra de maior elogio à sua conduta, à sua trajetória, foi a do presidente Rodrigo Maia’. Acho que foi uma força de expressão.
E por que o senhor acredita que ele teria interesse em mentir?
Ele não está mentindo, foi uma força de expressão. Eu não saberia dizer.
O senhor tentou aprovar uma reforma da Previdência, não conseguiu. Agora, durante o governo do presidente Jair Bolsonaro, que não é conhecido por ter base na Câmara, passou a reforma da Previdência lá. Por que o senhor acredita que o atual governo conseguiu?
Porque o antigo governo, que era o meu, durante dois anos batalhou pela reforma da Previdência. Enfrentamos as maiores discussões. Praticamente dois anos. Fui eu que lancei a reforma da Previdência no nosso país, como lancei também a tese da simplificação tributária. E ao longo do tempo eu sempre disse, internamente e no exterior, que a reforma da Previdência poderia sair naquele momento da pauta legislativa, mas não sairia, como não saiu, da pauta política do país. Tanto não saiu que logo no início do governo Bolsonaro foi aprovada na Câmara.
Por que não consegui aprovar? Foi precisamente em face daquele gesto do procurador-geral que, percebendo que eu ia colocar a reforma da Previdência entre doze e quinze dias, já com 326 votos contados (são necessários 308 votos na Câmara para aprovar PEC), ele soltou aquela gravação. Entre tantas razões, uma delas foi, certa e seguramente, impedir a reforma da Previdência. Causou um mal para o país.
O senhor citou a reforma trabalhista também, que o senhor sancionou há mais de dois anos. O discurso, na época, era o de que a flexibilização das regras ajudaria a gerar emprego no país. Mas o emprego não deslanchou. O presidente do TST, ministro Brito Pereira, disse à BBC que foi um equívoco alguém um dia dizer que a reforma trabalhista geraria emprego. Hoje o senhor acha que esse discurso foi um equívoco?
O equívoco é o de quem assim se manifesta, por duas razões. Primeiro porque, ao longo do meu governo, houve quase um milhão de carteiras assinadas. Segundo, houve abertura ao trabalho informal extraordinária, tivemos mais de 1,5 milhão de postos de trabalho. Segundo ponto, você verifica que neste ano, como fruto da reforma trabalhista, já o desemprego caiu. O que talvez o doutor presidente do TST tenha pretendido dizer é o que eu percebia, por exemplo, na constituinte. As pessoas achavam que, quando fosse promulgada a Constituição, o céu ficaria azul, não haveria desemprego, não haveria insegurança. Enfim, tudo estaria resolvido. E essas coisas acontecem paulatinamente. E, na economia, de igual maneira. Você vai fazendo as reformas, os normativos adequados para o país, e isso vai produzindo efeitos ao longo do tempo. Então, primeiro ponto: produziu efeito no meu governo, modestamente, porque estancamos o desemprego. Eu ressalto que quando assumi o governo tínhamos um PIB negativo em 4% e um ano e meio depois ele era positivo em 1,1%.
Na verdade, isso que o senhor citou (PIB) é exatamente o argumento de quem era contra a reforma. Os críticos dizem que o que traz a geração de emprego é o crescimento da economia e não tirar, como diziam, direito do trabalhador.
Sabe por que vocês dizem que tira direito? Porque ninguém examinou a Constituição. O Artigo 7º da Constituição estabelece quais são os direitos dos trabalhadores…
FGTS…
São vários, me permita completar. O que as pessoas dizem é que a lei pode modificar a Constituição. Durante esses debates, eu ia às entrevistas e dizia: por favor, leiam o Artigo 7º da Constituição para verificar que a lei ordinária não pode modificar o que estava na Constituição. Consequência: nenhum direito trabalhista foi retirado. Segundo ponto: você diminuiu a litigiosidade judicial. O número de reclamações também diminuiu, sensivelmente. Isso aumenta a ideia de o empresário aplicar no país.
Só para deixar claro, presidente, nós não defendemos uma coisa ou outra. Eu estou apresentando os dois argumentos para o senhor. O senhor falou do lado do empresariado. Do lado dos funcionários, a reforma criou coisas como a figura do intermitente, um trabalhador que tem um contrato, mas não sabe quanto vai ganhar no fim do mês ou quais dias ele vai trabalhar. Embora não tenha mudado a Constituição, isso é bem diferente da figura que a gente conhece (de trabalho formal) e pode ter impactos na economia. Aquela família não sabe quanto ela vai ganhar, então ela não pode comprar uma coisa a prazo, por exemplo. O senhor acha, hoje, que isso foi positivo?
Você acha melhor o sujeito saber que vai ganhar alguma coisa no trabalho intermitente ou que não vai ganhar absolutamente nada porque está inteiramente desempregado? A flexibilização dessas relações de trabalho, sem tirar direitos, foi precisamente para pegar aqueles — falávamos em 13% de desempregados — que estavam desempregados. Se não tivessem emprego integral, que tenham emprego pela metade. E o trabalho intermitente está dando resultado.
Com menos de um ano de governo, Bolsonaro enfrenta uma crise no próprio partido e está gastando alguma energia para resolver o impasse com o PSL. Quanto isso afeta a governança dele?
Quando a gente trata de um tema dessa natureza, você tem que trazer à baila o problema da reformulação política. Você tem 35 partidos. Uma reformulação política do país é importante, porque se tivermos três ou quatro partidos muda o quadro governativo do país. Tanto isso é verdade que eu tenho pregado nos últimos tempos uma espécie de semipresidencialismo ou semiparlamentarismo, ao fundamento de que durante o meu governo eu trouxe o Congresso para governar comigo. E deu certo.
Quando eu fazia as reuniões, tinha os presidentes da Câmara e do Senado sentados ao meu lado. E no começo deste ano, quando havia muita discussão em torno da reforma da Previdência ainda, se aprova ou não, a Câmara e o Senado assumiram muito protagonismo. A imprensa mesmo falava em espécie de parlamentarismo branco.
Então os fatos estão ocorrendo de tal maneira que, em um dado momento, talvez seja possível formatar um projeto semipresidencialista ou semiparlamentarista onde a vantagem está em, primeiro, não ter as chamadas crises institucionais geradas pelo impeachment. Segundo, você tem o povo apontando o dedo não apenas para o presidente, mas também para o Legislativo, que passa a ser um executor daquilo que ele próprio legislou. Acho que podemos caminhar para isso.
Mas o que o atual governo prega é muito diferente disso. Quando o senhor fala da sua relação com o Congresso, eles chamam isso de velha política. É outra lógica. O senhor acha que estamos caminhando para isso?
É uma lógica que está sendo derrubada. Você vê, ao longo do tempo, o presidente Bolsonaro tem, e outros ministros, feito adequadamente, eles têm ido ao Congresso. Eles vão mais ao Congresso do que eu ia. Eu, como tinha passado muito tempo lá, tinha boa relação com o Congresso, logo formulei um governo baseado na ação conjunta do Executivo com o Legislativo.
Com relação à entrada do Brasil na OCDE, a carta do secretário (de Estado dos EUA) Mike Pompeo jogou um balde de água fria. Isso é uma coisa que o senhor também defendia no seu governo. Esse assunto é tão importante a ponto de valer a pena abrir mão do tratamento de país em desenvolvimento na OMC, por exemplo?
As coisas em um plano internacional têm uma certa simbologia. O fato de você entrar na OCDE – e eu trabalhei por isso também, com resistências. Eu não coloquei todas as cartas na mesa porque o Brasil, primeiro, é multilateralista. Não podemos ser unilateralistas, isolacionistas. Ao contrário, temos que combater protecionismo, ser universalistas, não só na diplomacia mas nas relações comerciais, industriais e políticas. Então o Brasil tem esse critério multilateralista que não sei se entrar na OCDE vai mudar inteiramente o quadro. Ou seja, não é tão fundamental assim entrar na OCDE. É importante, mas não é vital para a economia brasileira.
O senhor acha, então, que não valia abrir mão desse tratamento na OMC? O senhor teria feito a mesma coisa?
Talvez não fizesse. Agora, evidentemente, se o Brasil entrasse na OCDE e houvesse essa negociação — que as relações internacionais demandam —, aí estaria correto, não veria dificuldade nisso.
O MDB, partido do senhor, acabou de escolher o deputado Baleia Rossi como novo presidente. Enquanto as outras siglas buscam um discurso de renovação, ele está longe — embora seja um parlamentar jovem — de renovação. Ele é filho do ex-ministro Wagner Rossi e é próximo ao senhor. Como o senhor vê o futuro do MDB?
O Baleia Rossi tem grande prestígio na bancada, tanto que no primeiro mandato ele já foi eleito líder da bancada. E eu já verificava pelos depoimentos dos deputados o grande apreço institucional e pessoal que eles tinham pelo Baleia, daí a razão pela qual o nome dele foi lançado e obteve sucesso como presidente do MDB. O MDB tem trajetória muito importante para o país. Se recordarmos lá atrás, nós vemos que quem redemocratizou o país foi o MDB. Voltando mais para os nossos tempos, os grandes projetos — o Plano Real, do FHC e do Itamar Franco, os planos sociais do Lula e da própria Dilma, o PMDB sempre esteve apoiando essas matérias. O MDB sempre tem uma posição de equilíbrio. Em um país tão conflagrado, de muito ‘nós contra eles’, o MDB sempre tem uma posição meio-termo. Acho que o MDB continuará a exercer esse papel.
Se o ex-presidente Lula tivesse virado ministro quando a Dilma era presidente, o senhor acha que o impeachment teria acontecido?
É difícil responder, porque havia uma grande mobilização popular contra o governo. Agora, não posso negar que o presidente Lula tinha muito prestígio no Congresso. Eu não saberia responder. Mas que facilitaria o governo, não tenho dúvida. Facilitaria por essa razão, pelo prestígio, pelos contatos que ele tinha e manteve no seu governo com o Congresso Nacional.
Ele está preso hoje. O senhor acha que ele ainda vai ter oportunidade de…
Não sei dizer, é difícil dizer isso.
Eu nem completei minha pergunta. O que é difícil dizer?
Eu já sei o que você vai perguntar.
O que eu vou perguntar?
Se ele vai ser liberado ou não e, se ele for liberado, se ele pode ser presidente da República.
E o que o senhor acha?
Difícil dizer. No caso do presidente Bolsonaro, quando ele se lançou, alguém diria que ele seria presidente da República? As coisas são assim. O eleitorado, em um dado momento, quer modificar o sistema existente, ou os critérios existentes, e opta da maneira que ele entende que seja melhor para o país. É difícil prever.
O senhor é acusado de receber propina de obras relacionadas a Angra 3, além de responder a outros inquéritos. O senhor foi preso duas vezes neste ano. O senhor tem medo de ser preso de novo?
Eu só não tomo a pergunta como ofensiva porque veio de uma gentil senhorita, com toda a franqueza. Porque eu não tenho a menor preocupação sobre o enfoque jurídico. A preocupação que nós temos é com as arbitrariedades de natureza jurídica cometidas ao longo do tempo no país, especialmente no meu caso.
No meu caso, os autos baixaram do Supremo Tribunal Federal para, primeiro, fazer investigação. Segundo, ter denúncia ou não ter denúncia do Ministério Público. Terceiro, a denúncia ser recebida ou não ser recebida pelo juiz. Quarto, quando recebida, se recebida — porque pode não ser recebida —, o juiz manda ouvir o acusado. Eu pergunto: estas três preliminares ocorreram? Não. Os autos baixaram do Supremo, os senhores procuradores — em grupo, doze ou treze que assinam uma representação —, o juiz pega aquilo e decreta a prisão – que, aliás, foi derrubada no STJ por unanimidade. E, convenhamos, com observações críticas em relação a essa conduta. Eu não tenho a menor preocupação sob o foco jurídico. A única coisa que eu temo são as arbitrariedades.
O senhor não precisa tomar como uma ofensa porque eu estou aqui no meu papel de fazer as perguntas que eu acho que muita gente gostaria de fazer para o senhor.
Eu, aliás, ao responder-lhe acredito que lhe fiz um elogio, que vinha de uma gentil senhorita e delicada na pergunta.
E como o senhor vê o futuro da Lava Jato, que pode impactar na vida do senhor diretamente?
Não vai impactar na minha vida. Me perdoe, mas não vai impactar na minha vida. Se nós levarmos em conta os pressupostos jurídicos… Você sabe que não tem nenhum prova? São ilações e mais ilações, fulano é amigo de beltrano, então ele é criminoso. Não tenho a menor preocupação em relação a isso. Agora, a Lava Jato como sinônimo de corrupção, não importa a denominação que tenha, essa deve continuar. É importante para o país.
O tema meio ambiente tem tido muita atenção aqui fora por conta das queimadas e também da postura do presidente Jair Bolsonaro e de outros integrantes do governo. O senhor acha que isso está sendo positivo, negativo para o Brasil? Vimos o presidente Jair Bolsonaro falar até da esposa do presidente francês.
Cada um tem seu estilo. O estilo do presidente é um estilo mais de confronto, diferentemente do meu, que ignorava essas questões ou simplesmente agregava as pessoas. Claro que isso não é bom para a imagem do país. Tomando essa questão da Amazônia, você sabe que todo ano tem queimada na Amazônia. O que aconteceu, penso eu, foi que o presidente resolveu confrontar aqueles que criticavam, em vez de tomar as providências que de resto tomou. Ou seja, mandar todo um sistema de combate a incêndio para lá.
Ele que criou essa crise, então?
É a forma de falar, a forma de manifestar, talvez tenha sido isso. E criou um problema internacional. Porque eu vejo, estamos aqui no Reino Unido, eu vejo a preocupação com as mudanças climáticas, que permeia a mentalidade de todos os países europeus. É uma coisa grave. Precisamos tomar muito cuidado. Eu tomei muito cuidado com isso.
O senhor veio para a Inglaterra dar uma palestra na Universidade de Oxford, o senhor falou com os estudantes, tem dado entrevistas. Como o senhor quer ser visto pela História, considerando que a figura do senhor é contraditória — alguns elogiam reformas que o senhor fez, enquanto outros chamam o senhor de golpista e dizem que o senhor traiu a ex-presidente Dilma Rousseff, tem o Ciro Gomes, que diz que o seu partido era uma quadrilha?
Ciro Gomes não precisa de inimigos. Ele se inimiza por conta própria. Basta ouvir suas palavras para verificar que ele se destrói por conta própria. Segundo ponto: ele já foi condenado duas vezes por mim em ações judiciais indenizatórias. Terceiro ponto: eu pretendo ser visto como um reformista. As pessoas lá na frente, aliás já começam a perceber isso, que eu peguei uma estrada esburacada e entreguei uma estrada asfaltada para o novo governo. Eu espero que a história registre que eu ajudei as reformas do país. Reformas que deram certo. E que estão dando certo. E que darão certo ao longo do tempo.