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Armando Cardoso Escreve

Congresso age como os vândalos do 8 de janeiro para implodir o Supremo

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Armando Cardoso* - Foto de Arquivo/ABr

Prevista no artigo 2º da Constituição Federal, a independência e a harmonia entre os poderes, também conhecida por igualdade de forças, só não funciona para o Legislativo. Super poderosos, superiores e acima de todas as leis, as excelências da Câmara e do Senado dão diariamente todas as demonstrações de que não querem se misturar com os senhores de toga. Muito pelo contrário. Quanto mais distantes, melhor. Querem poder de mão única. Eis razão pela qual, ao decidir pela manutenção expressa do princípio da separação dos poderes, o constituinte de 1988 se preocupou com a tirania e com a garantia das liberdades individuais. A intenção de dividir e equilibrar o poder entre os diferentes ramos do governo era impedir que um único grupo ou indivíduo obtivesse o controle total sobre o Estado.

Foi mais ou menos assim nas ditaduras de Getúlio Vargas e dos generais de 1964. Donos da caneta, eles tentaram. Cassaram juízes e manietaram competências do Supremo Tribunal Federal, excluindo de sua apreciação habeas corpus e atos arbitrários. A diferença dos ditadores de ontem para os aprendizes de feiticeiros de hoje é que os primeiros nunca tentaram “reformar” decisões judiciais. Os “patriotas” dormem e acordam sonhando com isso. Em reação do tipo meninos mijados ao STF, eis que surge um novo grupo de reacionários se assanhando para cassar decisões e jubilar os ministros com coragem para tomá-las.

Juntos e preocupados em salvar a própria pele, parlamentares da direita efervescente decidiram aprovar novas regras sobre decisões monocráticas na Corte Suprema e em outros tribunais superiores. Já aprovado pelo Senado, o pacote de propostas foi referendado semana passada pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, presidida pela deputada Caroline de Toni (PL-SC). A primeira PEC define critérios para decisões monocráticas, aquelas tomadas por um único ministro. A segunda dá poder ao Congresso para suspender liminares do Supremo. Outros dois projetos alteram regras para impeachment dos ministros do STF e ampliam a lista de crimes de responsabilidade.

Vingança retardada e com data de validade, as proposições são claramente uma reação ao Judiciário. No parquinho de diversões da turba autoritária do Congresso a ordem é implodir o STF e ameaçar a conformação institucional do Estado Democrático de Direito. Tudo isso porque os denominados representantes do povo ainda não digeriram a decisão do ministro Flávio Dino. Individualmente e depois com o referendo de todos os ministros do STF, Dino suspendeu a execução das emendas impositivas e as chamadas “emendas PIX” ao Orçamento da União. Mordidas pela mosca azul do patriotismo de araque, suas excelências agora se acham no direito de redefinir o funcionamento do Poder Judiciário. Cômico não fosse trágico, a direita sem nexo mira exclusivamente nas prerrogativas da Corte.

Além da possibilidade de o Congresso se valer do vago argumento da “exorbitância” de poder para cassar decisões judiciais, as propostas abrem brecha para que os congressistas tenham a autoridade de fazer leis e, em última instância, de decidir se essas leis são ou não constitucionais. Qualquer leitor de revistas em quadrinhos sabe que exorbitar é propor tais absurdos. Como diz o amigo e jurista dos bons Mauro Noleto, a aprovação de tais iniciativas têm por objetivo combater o bom combate. Em outras palavras, representa o inverso de toda experiência constitucional e democrática bem-sucedida. Aliás, é justamente o sucesso da democracia o maior incômodo da direita sem direção. Bebendo na fonte do saber de Noleto, repito, sem margem de erro, que o alvo de todo reacionário são os conteúdos constitucionais, o pluralismo democrático e todos os direitos humanos que buscam ampliar a justiça nas relações sociais.

Como diz Mauro Noleto, as PECs contra o Supremo simbolizam a “cupinização” da República. Eu também entendo que o processo de erosão produzido pelos deputados e senadores é idêntico ao praticado pelos vândalos de 8 de janeiro de 2023. A diferença talvez seja o modus operandi. Uns se valeram da ignorância para minar as instituições, outros se valem da malandragem para ferir a democracia. Para sorte do Brasil, ainda há juízes em Berlim. Caso sejam promulgadas, as PECs certamente serão rejeitadas. Há jurisprudência nesse sentido na Corte. Em conversas reservadas, os magistrados são incisivos ao afirmar que a Constituição exige que mudanças nas regras do Judiciário devem ser sugeridas ao Congresso pelo próprio Poder. Portanto, a bateção de cabeça entre os parlamentares deve acabar quando os ministros do STF decidirem pela martelada final nesse imbróglio chato, desgastante e criado somente para iludir fanáticos, ingênuos, pueris e foras da curva. Eles podem não saber, mas nada que uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) não ponha ordem nas casas.

*Armando Cardoso é presidente do Conselho Editorial de Notibras

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