Na minha longa caminhada como periodista de política, tive o desprazer de ver coisas do arco da velha na Câmara Municipal e Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, onde iniciei a carreira que já conta mais de quatro décadas. No entanto, foi no Congresso Nacional que experimentei o inusitado de ver a velha no arco. De votos repetidos, desfiles de anões em busca do din din do Orçamento da União, deputado sortudo que ganhava diariamente em loterias, desfiles de mensalões e mensalinhos e adulteração no painel de votação do Senado, vi de tudo um pouco no Parlamento brasileiro. O que menos vislumbrei nesses longos anos de labuta foi a verdadeira preocupação dos congressistas com o povo brasileiro. Aliás, o exagero preocupante acabou gerando um antológico e emblemático deputado na extensa lista de personagens do imortal Chico Anísio.
Com um bordão ainda muito atual, o fictício Justo Veríssimo adorava manifestar, sem pudor algum, seu horror à pobreza e sempre repetia a frase: “Eu quero mais é que o povo se exploda”. Claro que, ontem e hoje, é tudo culpa da memória desatinada e desativada do eleitor brasileiro. Torcendo para que o Congresso que se instala neste 1º de janeiro seja melhor, lembro da célebre frase do velho cacique Ulysses Guimarães, cuja tese jamais foi desmentida, principalmente porque ele morreu, mas seu corpo nunca foi achado. Ou seja, não tiveram tempo de confirmar com ele a razão de sua afirmação. O fato é que, onde estiver, Ulysses está repetindo o que disse certa vez sobre a qualidade de nossa representação no Congresso Nacional: “Você só diz que esse Congresso é ruim porque ainda não viu o próximo”. Aguardemos, pois a charanga bolsonarista está lotada de candidatos a Justos Veríssimos.
Das premissas pessoais às disputas pelos cargos das mesas diretoras da maioria descompromissada com o eleitorado, confesso que, apesar dos posicionamentos ideológicos, sempre me vi obrigado a tirar o chapéu para um dos mais inteligentes deputados de minha trajetória reporteira. Profundo conhecedor dos meandros do poder, médico cirurgião, dono de clínica em Serra Talhada, sertão pernambucano e conhecida como capital do xaxado, Inocêncio Oliveira foi deputado federal por dez mandatos consecutivos, período em que sempre teve cargos na Mesa da Câmara. Influente estrategista da direita, ocupou posições de destaque na Praça dos Três Poderes, entre elas as presidências da Câmara e da República. Gente boa e muito acessível, Inocêncio tinha uma peculiaridade: era gago de nascença. Na abertura das sessões, normalmente precisava de alguns segundos até que pegasse no tranco.
Só perdia o timing quando interrompido pelo seu assessor de imprensa, Ronaldo Paixão, o nosso falecido Ronaldão. Do alto de seus quase dois metros, Ronaldão, também eloquentemente gago desde a chupeta, era pura competência. O pavor de ambos eram os encontros diários com o repórter Itamar Garcez, do extinto Jornal do Brasil, no Salão Verde da Câmara. Parece piada, mas, pior ainda na gagueira, Garcez levou tempo para convencer Inocêncio e Ronaldão de que sua pouca pressa para falar era fato “venéreo” e não uma armação da imprensa marronzista para forçar a entrevista ao JB. Aprendi com os três que a máxima de que os opostos se atraem nem sempre é verdadeira. Com posto de comando no Comitê de Imprensa da Câmara, tinha contato diário com o staff do presidente da Casa.
De certa feita, durante uma coletiva, Inocêncio adentrou a enorme sala de reuniões, lotada de repórteres de rádios, jornais e televisões, além dos barulhentos cinegrafistas e fotógrafos, todos lutando pelo melhor ângulo. Conheço bem a turba, pois tenho um genro no métier. Agitado porque sua sala de audiências também estava cheia, Oliveira enervou-se com a gritaria dos repórteres cinematográficos e bradou: “É, é, é, é, é se não é, é, é fizerem é é silêncio, vou, vou, vou, vou “enxoxotar” tooooodo mundo daqui”. Como a tropa das câmeras não perde a oportunidade, o “enxoxotar” foi gravado e correu mundo. De pouca ou nenhuma utilidade política, esta narrativa pelo menos serve para ilustrar a briga do atual eleitor pela evolução genética de nossos bem pagos políticos. Sei que é exagero pedir perfeição à classe, mas já será de grande valia se entenderem que o povo merece respeito. Nunca é demais repetir que o político que mente para o povo com promessas para obter votos está fadado ao insucesso. Que o diga nosso mito de barro.