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Degradação política

Congresso ruim, ontem como hoje, é o retrato fiel do povo brasileiro

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Autor/Imagem:
Armando Cardoso* - Foto de Arquivo/ABr

Mesmo sem autorização prévia, faço minha a tese inquestionável de Ulysses Guimarães sobre a degradação do Congresso Nacional a cada legislatura. Já vi, ouvi e reportei situações e conchavos tenebrosos de deputados e senadores. Algumas proibitivas para o grande público que prefere avaliar os políticos brasileiros como alguém que, um dia, lhe dará algum retorno. Nada, porém, igual ao que vemos agora, quando um bando de mulheres e homens barbados se esquecem do povo e adotam como objetivo um político qualificado somente por querer ser o único dono do país. É, de longe, o pior Congresso eleito nos últimos 35 anos. Quem os elegeu? Os crentes em promessas vãs e que, por isso, jamais conseguirão ver um de seus escolhidos chegar ao reino dos céus.

Não os culpo, pois, antes do aprendizado decorrente da dor, qualquer ser humano nasce para auferir vantagens. Eis a razão pela qual 11 entre dez brasileiros, patética e frequentemente, elegem e reelegem políticos corruptos, embora discursem contra eles com a mesma frequência. A esses não há outra qualificação se não a de cúmplice. Em síntese, uma constelação de corruptos gera uma nação de ignorantes. Como a recíproca é verdadeira, uma nação de ignorantes acaba elegendo uma legião de corruptos. É a velha história contada singelamente pelo Marquês de Maricá. Segundo ele, um povo corrompido como os brazucas não pode tolerar um governo que não seja corrupto. No português sacrossanto, é o mesmo que o roto aceitar os desmandos do esfarrapado.

E assim caminha o Brasil rumo à Terra do Nunca. Jânio Quadros é do meu tempo de menino. Apesar da distância e do filtro a respeito de seus posicionamentos, é dele uma das célebres definições do Parlamento brasileiro: “Metade do Congresso é incapaz. A outra metade é capaz de tudo”. Quem discordar que atire a primeira pedra. Melhor que me apontem dois projetos de lei – apenas dois – desta ou da legislatura anterior que tenham favorecido o povão. Quando não caducam, as propostas em benefício dos trabalhadores, sejam do governo ou de um parlamentar altruísta, dormitam nas gavetas das lideranças por meses, anos e, às vezes, décadas.

No sentido oposto, a rapidez é assustadora. Em pouco mais ou pouco menos de um mês, a Câmara e Senado aprovaram um Frankenstein denominado PEC da Anistia, cujo objetivo é livrar os partidos de pagarem multa por descumprimento de leis eleitorais. Na mesma emenda, bolsonaristas e petistas se uniram para reduzir verbas públicas que ajudariam a eleger políticos negros. Ou seja, para empurrar a pimenta no fiofó alheio eles esquecem ideologias, ranços, ameaças mútuas e até golpismos. No escurinho do cinema, a política é mesmo uma faca de dois gumes. De um lado, eles se agridem; de outro, se esquecem de ser honestos.

Não à toa, os menos desinteligentes estão carecas de saber que a maioria dos políticos não tem valor. Com o consentimento de boa parte do eleitorado nacional, eles têm preço. Daí eu não ter motivos para discordar da piada popularesca de que, para arrombar um cofre, o ladrão precisa de algumas bananas de dinamite. Ao político corrupto bastam alguns eleitores bananas para ele enriquecer da noite para o dia. Como os homens públicos não nascem em árvores e nem caem do céu, estou à vontade para afirmar que, adoradores do adjetivo excelência, eles são o retrato mais fiel do seu povo.

Tudo isso apenas para dizer que, enquanto não nos transformarmos em bons eleitores, jamais teremos bons políticos. A luta é inglória. Talvez nunca alcancemos a plena politização. No entanto, enquanto tentamos, bem que poderíamos nos vender menos. Convencido de que o dia a dia no Congresso Nacional é um jogo de interesse com cartas e pessoas marcadas, sigo reverenciando Ulysses Guimarães e Millôr Fernandes, para quem “acabar com a corrupção é a proposta suprema de quem ainda não chegou ao poder”. Sigo, mas sempre achando que, além de casas de lero-leros e blá-blá-blás, Câmara e Senado se converteram em um pomposo e bem cuidado ninho de quero-queros.

*Armando Cardoso é presidente do Conselho Editorial de Notibras

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