Nem tudo que reluz é ouro. Segmento importante da política brasileira, a direita merece respeito, apesar da perda de brilho após o frustrado golpe de 8 de janeiro. Antes do surgimento de um mito que sumiu na poeira, a direita mais extremada respeitava os antagônicos e, na mesma proporção, exigia respeito. Era a política do dois mais dois, algo como o acerto da boa vizinhança. Lembro que, nos tempos em que eleição era coisa séria, os conservadores e a turma da esquerda tinham no Congresso Nacional representantes do quilate de Filinto Müller, Virgílio Távora, César Cals, Amaral Peixoto, Francelino Pereira, Petrônio Portela, Jarbas Passarinho, Auro Moura, Magalhães Pinto, José Sarney, Antônio Carlos Magalhães, Milton Campos, Ulysses Guimarães, Severo Gomes, Roberto Cardoso Alves, Eurico Resende, Gastone Righi, Ricardo Fiúza, Leonel Brizola e Célio Borja, entre muitos outros pesos pesados.
Na verdade, são tantos que, deliberada e assumidamente, estou cometendo uma imperdoável injustiça ao não nominar todos. Faltaria espaço. Alguns serviram à ditadura, mas, em momento algum, produziram situações que pudessem manchar seus alentados currículos. Defender publicamente o AI-5, como fez Jarbas Passarinho, fazia parte do jogo político, ainda que saísse um pouco das quatro linhas da Constituição vigente. Embora pouco comuns, os encontros com os colegas da oposição, entre eles Pedro Simon, José Richa, Nelson Carneiro, Paulo Brossard, Franco Montoro, Fernando Henrique Cardoso e Lauro Campos, eram sempre em altíssimo nível. Se tratavam como adversários na tribuna e na disputa pelo voto. Fora disso, jamais se viam como inimigos.
Do modo deles, cada um representava o viés ideológico que convinha naquele momento. A destemperança à direita ou à esquerda se limitava aos portentosos discursos. Cada um melhor do que o outro. A eloquência generalizada dava liga, garantia o sonhado lead dos repórteres e editores de então. Os tempos realmente eram áureos. Longe do dia a dia do Congresso Nacional, particularmente do Senado, fico imaginando como será o debate entre os extremos a partir de desta quarta, dia 1º. de fevereiro, quando toma posse a nova leva de deputados e senadores. Muito mais do que o vernáculo, temo pela honra das mães e dos demais familiares dos empossados. Na ausência do que dizer, estas serão as principais vítimas da verborragia aguda e descabida dos aspirantes de excelências. Teremos exceções, é claro. Raras, mas teremos.
Por exemplo, mesmo sem passado parlamentar, o general Hamilton Mourão e o astronauta Marcos Pontes têm boas histórias, mas o que esperar da ex-ministra Damares Alves, fantasmagoricamente eleita pelo “eleitorado” do Distrito Federal? E ela recebeu caminhões trucados de sufrágios. Sem preconceito algum, mas o tipo de voto indica que são os mesmos eleitores que, um dia, quase canonizaram Joaquim Domingos Roriz. Em sua estreia na vibrante e intempestiva tribuna da Casa, o que esperar de uma senadora que transforma o púlpito de um templo evangélico em espaço para propagar fake news? Lamento, mas pouca coisa útil ou produtiva. Apenas para contextualizar, sem sequer um indício, a senadora eleita afirmou para seus seguidores religiosos de Goiânia que crianças da Ilha de Marajó eram traficadas para o exterior e submetidas a mutilações corporais e abusos sexuais.
Áudios comprovam mais essa fake bolsonarista. Serva de um deus que somente ela conhece, um dia ela ainda será chamada a prestar contas de sua eleitoreira história. A pergunta que continua sem resposta é simples: por que a então ministra Damares Alves denunciou e não tomou providência alguma acerca do hediondo fato? Oportunamente, a Justiça dará respostas para este e outros desvarios do grupo que se intitula discípulo do mito Jair Messias. Nada a opor. Afinal, cada um tem o ídolo que merece. Mesmo longe, estarei entre aqueles que torcem para que os parlamentares de agora incorporem os espíritos de deputados e senadores de ontem e trabalhem para garantir espaço na história de amanhã. Inspiração deve ser a palavra de ordem.
Pouco importa que os discursos sejam irrelevantes, inverídicos, perversos, agonizantes e sem esmero. Também não há necessidade de que neguem suas origens. Finjam que verdadeiramente amam o Brasil, tenham ideias próprias, bons projetos e, sobretudo, parem de perseguir comunistas, de incitar golpistas e de pedir a morte de petistas. Saudosa de políticos mais robustos, a multidão de brasileiros não vê a hora de jogar em um fervente caldeirão o choro e os sonhos de um derrotado capitão. Que venha o novo Parlamento. Que suas excelências se apeguem ao otimismo e, principalmente, às soluções. Que os 513 deputados federais e 81 senadores assumam com a consciência plena de que, por definição, democracia é o sistema político em que os cidadãos escolhem seus dirigentes por meio de eleições soberanas e periódicas. Em outras palavras, a gente põe a gente tira. Dito isto, saibam respeitar o significado do voto.
*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978