Cheia de energia, Cocota acordava com a corda toda. Aquela buldogue era tão agitada, que a sua mãe humana, Mirtes, tentava adivinhar o que se passava naquela cabeça ornada com duas orelhas de morcego. Não era possível que toda aquela correria fosse apenas fruto de simples vontade de correr quase sem parar, se não fossem pelas paradinhas estratégicas para beber água geladinha na vasilha de alumínio.
Os grandes olhos escuros fitavam os claros de Mirtes. A enorme língua pendia para o lado, os dentes alvos sorriam. A mulher tinha certeza de que novas travessuras estavam por vir. E vinham! A cachorra chegava a jogar o corpo contra a parede, voltava como mola e ia de encontro à outra logo adiante.
– Se aquieta, doida!
Tais palavras, ditas em tom de brincadeira, faziam com que Cocota se animasse ainda mais, caso isso fosse possível. Mirtes até gostava daquela folia, que animava sua aposentadoria. Aliás, um hábito que a velha havia adquirido depois de cumprir seus quase 32 anos de trabalho foi a leitura. Os assuntos eram variados; os autores, os mais diversos.
Talvez por conta do convívio com Cocota, a mulher tenha se apaixonado por um livro em especial: “O chamado da floresta”. Mirtes estava certa de que a sua buldogue também gostava de ouvi-la ler as aventuras vividas por Buck, o cachorro do romance de Jack London. Por isso, empostava a voz, o que fazia com que a Cocota mexesse as orelhas para captar cada palavra.
A despeito de alguns descrentes, o certo é que aquela buldogue não apenas entendia, mas desejava estar no lugar do Buck. Chegava a sonhar acordada, como se estivesse na neve entre seus irmãos, os lobos. Com certeza ela seria a líder de todos eles, uma verdadeira rainha.
De tão entretida com a história que saía da agradável voz de Mirtes, Cocota adormecia. Os sonhos eram tão reais, que, ao despertar, ela estava exausta. A cachorra olhava ao seu redor e, aliviada, dava um longo suspiro. Aquilo tudo era demais para ela, que preferia continuar estirada no conforto da sua cama bem quentinha.