Martinha, maranhense de Caxias, aos 18 rumou para a grande São Paulo, não tanto por necessidade, foi para acompanhar o irmão. Na capital paulista, acabou por ser empurrada pelos companheiros de labuta a torcer para o Corinthians. No entanto, não se interessava por futebol, até que, por um desses acasos da vida, foi convidada para assistir à comentadíssima estreia do Sócrates pelo Timão.
Na falta de melhores amores, namorou em preto e branco por pouco mais de uma década. Sem arroubos de felicidade, resolveu buscar novos horizontes. Talvez o litoral, pensou. Talvez. Pois bem, foi o que Martinha decidiu numa tarde típica, quando a garoa chorava as lágrimas dos solitários de Sampa.
A mulher, poucos dias antes de completar 30, se mudou para o Rio de Janeiro, onde começou a namorar o Valdir, um fanático torcedor do Vasco da Gama. Não tardou, já estava de casório marcado. Não que tivesse que correr antes da barriga despontar, haja vista ter tomado todos os cuidados severamente aprendidos com a mãe. Era por pura vontade de formar a própria família, cheia de crianças correndo pelo quintal da casa no subúrbio carioca.
Aos 32, Martinha deu à luz pela primeira vez. Uma menina, que ganhou o nome de Salete. Dois anos após, veio um menino, que recebeu o mesmo nome do pai. Mais dois anos, nasceu a pequena Doroteia, cujo parto complicado veio acompanhado da infertilidade da mulher. Nada mais de enjoos por conta de gravidez. Com o dinheiro curto, até que Martinha se sentiu mais que satisfeita com a prole. Estava de bom tamanho.
Salete e o irmão, influenciados pelo entusiasmo do pai, logo se viram cruz-maltinos. Quanto à pequena Doroteia, numa noite sombria de relâmpagos e trovões, decidiu ser torcedora do Botafogo. Pois é, talvez, a caçula fosse dessas que encontram felicidade no sofrimento. Seja como for, dos pais aos filhos, todos viviam uma vida em preto e branco.
O tempo correu ligeiro. Martinha, quase setentona, sentada na varanda, buscou recordações dos filhos, agora todos crescidos, cada qual no seu canto. Rosto firme, tentou recolher uma lágrima que já se encontrava à beira dos lábios. Não queria que o marido percebesse tamanha tristeza. Dissimulado, o homem fingiu que nada notara, ao mesmo tempo em que lhe lançou uma proposta: “Quer conhecer Porto Alegre?”
Não foi no mesmo dia nem na semana seguinte, mas não passou de mês. Tomaram um leito para a capital gaúcha numa noite sem estrelas. O casal, talvez por conta da aventura, se viu enamorado novamente e, caso não fosse pelo local impróprio, certamente avançaria todos os sinais durante a viagem. Todavia, promessas não faltaram.
O ônibus, finalmente, chegou à rodoviária de Porto Alegre. Exaustos, Martinha e Valdir só pensavam em descansar os corpos castigados pela longa viagem. Pegaram um táxi e rumaram para o hotel. Apesar de longe de casa, dormiram o sono dos justos naquela cama estranha.
A mulher foi a primeira a se levantar no dia seguinte. A princípio, estranhou o lugar, até que a ficha caiu e ela se lembrou de que estava em outra cidade. Curiosa, ela foi até a janela, abriu as cortinas e se deparou com um estádio de futebol bem ao fundo. Percebendo que o marido havia despertado, ela o questionou.
— Valdir, o que é aquilo lá?
— Ah, é o Beira-Rio.
— Beira o quê?
— Beira-Rio, o estádio do Internacional.
— Quero conhecer!
Os dois velhos tomaram um belo café da manhã. Em seguida, Valdir chamou um táxi e foi realizar o desejo da amada. Não demorou, o casal desembarcou diante daquela construção enorme. Passaram pela estátua do Fernandão e rumaram para o museu do Inter.
O homem, vascaíno que era desde criança, ainda tentou ser indiferente à grandeza do time vermelho e branco. Não conseguiu, ainda mais depois que descobriu que um dos grandes ídolos da história do Inter havia sido o Tesourinha, que também teve passagem gloriosa pelo Vasco. Quanto à Martinha, até onde se sabe, deixou para trás aquela vida em preto e branco e, desde então, só enxerga Colorado.
*Eduardo Martínez é autor do livro “57 Contos e Crônicas por um Autor muito Velho”.
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