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Constituição-Cidadã faz 35 anos remendada como Frankenstein

Um dos marcos civilizatórios do Brasil, a Constituição Federal de 1988 completa hoje 35 anos. É um dia para se comemorar, principalmente porque, após cinco séculos, o texto constitucional assegurou formalmente a cidadania plena para todos os brasileiros. O novo ciclo democrático inaugurado pela Carta Magna, associado aos avanços sociais obtidos em determinados governos, contribuiu para a melhoria do padrão de vida da população, especialmente dos mais pobres. Símbolo do processo de redemocratização, a obra promulgada por Ulysses Guimarães representou grande avanço para a garantia de direitos fundamentais à sociedade e trouxe mecanismos até então inéditos para preservar a recém-instaurada ordem democrática.

O Sistema Único de Saúde (SUS), a proteção ao meio ambiente, à família, aos direitos humanos, à cultura, educação, saúde, além da jornada de trabalho de 8 horas diárias e 44 horas semanais, da licença-paternidade, do direito de voto aos analfabetos e aos jovens maiores de 16 anos e do pluralismo de ideias são alguns exemplos de conquistas individuais e coletivas do povo. No entanto, por conta de fatores diversos, a chamada “Constituição Cidadã” ainda não alcançou o objetivo de construir uma sociedade civilizada e socialmente justa. Composta de 250 artigos e 128 emendas, a Carta concebida pelo Sr. Diretas Já é a segunda maior do mundo, depois da indiana.

Das emendas aprovadas, a maioria é paternalista, em benefício dos poderosos e dos próprios parlamentares ou em defesa de uma causa pessoal. Prova disso ocorreu em 2022, a três meses das eleições presidenciais, quando o presidente da época apresentou e o Congresso aprovou a chamada PEC das Bondades. A proposta possibilitou ao governo de Bolsonaro, entre outras medidas eleitoreiras, aumentar o Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600 até o fim daquele ano, pagar uma parcela de R$ 1.000 a caminhoneiros e auxiliar taxistas. A ideia era aumentar a popularidade do mandatário que, apesar dos “jabutis” constitucionais, perdeu a eleição para Luiz Inácio Lula da Silva.

Com 11 alterações, 2022 foi o ano de maior volume de mudanças na Carta. Vale registrar que o período de Jair Bolsonaro à frente do Executivo federal (iniciado em 2019) registrou 26 das 128 alterações constitucionais. No primeiro governo de Dilma Rousseff foram 17 emendas aprovadas.

Uma das últimas aberrações constitucionais foi a PEC que anistia partidos que não utilizaram os percentuais mínimos de financiamento de campanhas de mulheres e de promoção e difusão da participação política de mulheres. Para os políticos, tudo. Por tudo isso, a “Constituição Cidadã” de Ulysses Guimarães está bem próxima de um Frankenstein. Mudam daqui, mudam dali, mas o Brasil não consegue superar o desafio de ser um país mais igualitário, perpetuando a condição de renda média baixa.

Entre anjos e demônios, permanecemos no passado, embora achemos que somos do futuro. Os problemas são muitos. O primeiro passo deve ser uma nova reflexão do marco civilizatório da humanidade, com base na unidade global. Para alcançarmos nossa plenitude, especialmente a democrática, é necessário se pensar em coisas concretas, entre elas respeitar a Constituição. Na medida em que democracia é sinônimo de liberdade, quem a defende respeita as diferenças. O Estado Democrático de Direito não se faz com resistência. Quer resistir? Então, resista à tentação de ser intolerante.

E um dos maiores gestos dessa imbecilizada intolerância ocorreu em 8 de janeiro, quando uma minoria denominada patriota se insurgiu contra a eleição de Luiz Inácio para a Presidência da República, inegavelmente uma das maiores manifestações democráticas que o Brasil e o mundo já viram. Resumindo, a democracia sadia só é vista dentro das regras de respeito ao próximo, aos valores da família e às autoridades constituídas. Fora disso, tudo é maligno. Mesmo sob as águas do mar, Ulysses Guimarães mantém seu exemplar da Constituição debaixo do braço. Ele não morreu.

*Presidente do Conselho Editorial de Notibras

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