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Contador soma ondas à beleza de Luciana e filhos

Aquela praia era a mesma que Horácio, hoje com quase 40 e já não tão perto dela, havia vivido a infância. Nessa época de menino, ele passava as manhãs ensolaradas contando ondinhas. Não que soubesse contar além de dez, mas isso não era problema. Contava, recontava, voltava a contar e assim ficava. De tanto contar ondinhas, virou contador.

Alugou uma loja no centro da cidade. Mandou pintar uma placa enorme, onde se lia sem qualquer esforço o nome do seu escritório: Contabilidade Beira-Mar. Uma bela praia cheia de ondinhas espumantes completavam a fachada da loja. Em pouco tempo, os raros clientes foram se multiplicando a tal ponto, que Horácio precisou contratar dois funcionários, depois mais três. Quando percebeu, já comandava uma equipe de quase vinte.

Horácio não ficou rico, mas quase. Comprou uma linda casa numa área chique. De tão grande o lugar, o homem se sentiu solitário. Sem problemas financeiros, encontrou nos braços de Luciana o aconchego que lhe faltava. O namoro durou quase dois anos, mas poderia ter durado muito mais, caso ele não insistisse em se casar. Luciana, enfim, aceitou a mão do contador. Desposou-o num fim de tarde de um domingo.

A lua de mel foi na Europa. Passearam por Paris, Londres, Roma, Barcelona e todos os outros lugares que tiveram tempo e dinheiro para gastar. E gastaram muito, mas nada que a interminável mania de contar do Horácio não pudesse pagar. A felicidade daqueles dois era de causar inveja até em princesas e príncipes de contos de fada.

Mal chegaram de viagem, foram recepcionados por parentes e amigos, curiosos que estavam dos acontecidos na viagem. Luciana, com aquele largo sorriso, contava coisas pitorescas, o que provocava gargalhadas ao seu redor. Horácio a tudo assistia, peito estufado de orgulho da esposa, tão carismática, que poderia subir no palco e substituir até a Fernanda Montenegro sem que a plateia percebesse, tamanho era o talento da mulher. No entanto, antes que Luciana pudesse demonstrar seus dotes artísticos, eis que ela desandou a vomitar todo o pargo com alcaparras e arroz branco sobre o tapete persa da sala de estar.

Ainda bem que havia um médico entre os convidados, o Dr. Batista, gastroenterologista. O especialista examinou a paciente de última hora e, em poucos minutos, do alto de sua vasta experiência, deu o diagnóstico.

– Foi a azeitona!

– Que azeitona que nada, doutor! A dona Luciana está buchuda!, afirmou categoricamente a faxineira, que naquele dia fazia as vezes de garçonete.

Passado o pequeno constrangimento, todos deram razão à Juraci, que era tarimbada no assunto. Ela tivera oito filhos, sendo três em casa. Até o Dr. Batista, apesar da flagrante humilhação, concordou com a empregada e, dizem, até hoje conta essa anedota para seus pacientes.

Luciana pariu o primeiro filho, que recebeu o pomposo nome de William. Todavia, por conta do acontecido durante a descoberta da gravidez da mãe, todos o passaram a chamar de Azeitona. O menino até gostava, pois, dessa forma, se viu popular.

Assim que Azeitona começou a estudar, seus pais voltaram a ter tempo para outras coisas. O resultado foi que, poucos meses depois, Luciana vomitou todo o café da manhã. Ela, ciente do que estava acontecendo, apenas olhou para a Juraci. A faxineira fez que sim com a cabeça. As duas sorriram. Era uma menina, mas as duas mulheres ainda não sabiam.

Florisbela nasceu no princípio do ano seguinte. Azeitona, no começo meio surpreso com aquele novo ser em seu território, acabou por se acostumar e, em seguida, não saía de perto da irmã. Queria porque queria participar de todos os eventos envolvendo aquele novo membro da família. A felicidade parecia completa naquele lar, doce lar. E realmente era! Ou quase!

Horácio, alguns meses após o nascimento da filha, teve uma conversa com Luciana. Pensava em se mudar para uma casa em frente à praia, a mesma praia onde passara a sua infância. A esposa gostou muito da ideia, pois as crianças praticamente só conheciam piscina, seja a da casa onde moravam, seja a do clube onde eram sócios. Mudaram-se assim que foi possível, isto é, quase dois anos após essa conversa.

Hoje em dia, é possível ver um homem chegar todos os dias bem cedinho à praia bem em frente à sua casa. Sempre acompanhado da linda esposa e dos filhos, ele se senta em uma cadeira bem próximo à água. As ondas molham seus pés e, dizem, ele já contou tantas, que já passaram dos milhões.

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