Como um trem desgovernado, o Brasil segue fora dos trilhos e cada vez mais próximo do descarrilamento de seus vagões abarrotados de desarmonia, ódio e negacionismo. Fora de controle, a locomotiva não consegue mais se agrupar aos demais carros. Primeiro a se perder na curva, o vagão do combustível tende a explodir bem antes da chegada dos bombeiros, em outubro do ano que vem. Acredito que, pela primeira vez na história desse país, o dia da eleição não será de comemoração cívica, mas de regozijo pela vontade – quase necessidade – de mudarmos o status quo. Para a maioria, a data servirá como uma reviravolta nos valores doutrinários, religiosos e familiares. Em 2022, provavelmente teremos de abdicar do desejo pessoal, das convicções políticas e, sobretudo, do que nos restou de ideologia.
Com alguma sensibilidade escondida na alma, talvez consigamos concluir que o clima do país está azedando. Para os mais radicais, o adjetivo certamente seria desolador. Um ou outro, a verdade é que há convergência na busca de dias melhores. Tardiamente, as pessoas perceberam que as coisas não podem continuar como estão. Por isso, de uma hora para outra apareceu a reação popular. Com bandeiras representativas, gritos de guerra ou mantras partidários, pouco importa. Importante é que as ruas, praças e avenidas voltaram a ficar apinhadas de pessoas insatisfeitas com o que ouvem, veem e sofrem. Como diz uma amiga de infância, vivemos tempos tenebrosos, ora infectado por vírus, ora infestado de pragas.
A guerra das ruas entre direita e esquerda está apenas começando. Entretanto, já foi suficiente para mostrar ao país quem realmente pode vingar na política nacional de curto prazo. Até agora, poucos dos que estão se mostrando têm apelo popular capaz de garantir, com folga, resultado positivo em 2022. Um não tem representatividade alguma. O outro já foi representativo, está em baixa, mas pode (e deve) surgir como uma boa opção para o imediatismo que o imobilismo brasileiro exige. Na verdade, talvez seja hoje a única opção em condição de aglutinar e de evitar que alcancemos o caos político-econômico. Embora sem o mesmo rugido de outrora, o leão está solto nas ruas. Já o pastor alemão, além de perder pelagem e os dentes, não late mais tão alto.
Está mais para bichano correndo atrás do rato esperto e muito mais veloz. O embate nas ruas é o novo modismo explorado por um e outro lado. Conseguir lotar avenidas e praças ainda não é determinante para 2022, mas bastante relevante para olhares e análises futuras dos congressistas, que, amanhã ou depois de amanhã, terão de dar respostas sobre os cerca de 120 pedidos de impeachment. E não será partidarizando os protestos ou estimulando o consumo da mortadela que o líder máximo da direita conseguirá evitar o crescimento das manifestações. Por enquanto, com bandeiras vermelhas ou apoiados pelas centrais sindicais, os defensores de Luiz Inácio têm provocado naturais sobressaltos nos fanáticos apoiadores do mito. Pior ainda são os números das últimas pesquisas de intenção de voto.
Divulgado histrionicamente como um dos últimos fatos da direita, o segundo motomício do presidente da República acabou gerando uma das maiores fakes da história da política nacional. Conforme dados divulgados pelos organizadores, o “evento” teria reunido1,3 milhão de motociclistas passeando por 129 quilômetros entre a capital paulista e o município de Jundiaí. Disseram, inclusive, que o expressivo volume de motos seguindo o capitão mereceu verbete no Guinness Book, o livro dos recordes. Fosse verdadeiro, realmente seria um recorde imbatível. Desmascarado, bastaram algumas poucas horas para que o dito ficasse pelo não dito. Esclarecida a exagerada falha técnica e antes que o próprio Guinness se pronunciasse, a Secretaria de Segurança Pública estimou em 12 mil o quantitativo de motos na passeata.
Quanto ao recorde, impossível porque o livro não permite em suas páginas registros de eventos com motivação política. De concreto, a certeza de que milhões de brasileiros estão indignados. E não há melhor lugar para expressar indignação do que as urnas. Temos de acreditar em alguém. Se não for em quem se elegeu com um discurso roteiro de democracia, mas mudou o script quando percebeu que ser presidente é ruim, mas é bom, que seja em alguém que já experimentou a cadeira e que, supostamente, a desonrou. Melhor do que aquele que carregou na tinta da caneta, destilou ódio e demitiu quem o incomodava. No Palácio do Planalto, uma única porta indica entrada e saída. Entretanto, nos léxicos bolsonaristas o entendimento é que a porta da Presidência está cerrada para uma possível evasão. Ou seja, não pensam na hipótese de retirada. Aguardemos a contagem dos votos, preferencialmente sem auditagem. Começou a contagem regressiva.
*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978