O contista andava em uma seca de dar pena: nem um continho, bom ou ruim, há quase 90 dias. Parte da culpa disso, sabia, era da idade. Aos 82 anos, não era fácil criar textos eróticos que, se não excitassem, pelo menos despertassem o interesse do leitor e fossem lidos até o fim. Antes também escrevia contos divertidos, mas a cada dia ficava mais rabugento, mais impaciente; então, era incapaz de produzir algum desse gênero.
Claro que podia escrever contos chinfrins e poemas bobinhos, mas se recusava a fazer isso. Tinha consciência de que nem todos os seus textos eram bons, mas investira neles cada pedacinho de talento que tinha. Então, escrever sabendo que estava ficando uma merda, escrever apenas para preencher uma rotina…Obrigado, mas não, obrigado.
Restavam os contos tristes, alguns razoáveis, outros bons, a que vinha se dedicando antes da seca. Mas essas produções o entristeciam, lembravam-lhe que sua vida estava chegando ao fim, que a morte se aproximava.
Se aproximava, não; chegou, materializou-se no apartamento em que ele morava sozinho, e decretou:
– Deu pra ti. É hora de vir comigo, bagual!
O contista levou um susto. Não tanto pela visita da magra, já a esperava fazia tempo, mas pela aparência desta. Pra começar, não era esquelética, não estava vestida de preto, as feições escondidas, e nem empunhava uma foice. Surgiu como um homem corpulento, de rosto avermelhado (alto consumo de proteína animal dá nisso), pilchado na última: de bombacha, camisa branca, colete, lenço vermelho, chapéu e botas. Sem esquecer as duas facas na cintura. Parecia um personagem saído de um Centro de Tradições Gaúchas.
“A morte, um gauchão?”, pensou o contista. “Falando à maneira dos pampas?”
– Vamos sim. Mas antes, por favor, me explica a sua aparência.
– Bah! – começou a Inexorável, com uma interjeição do continente de São Pedro. – Eu podia vir como um nordestino – e mudou de aparência, tornando-se um homem de gibão e chapéu de couro, armado com uma peixeira –, ou como um carioca – e virou um malandro caricato, de camisa listrada e navalha. – Mas essas imagens são folclóricas, no Nordeste e no Rio praticamente ninguém se veste mais assim, tu é carioca e aposto que nunca saiu na rua desse jeito. No sul, porém, a gauchada (nem todos, mas um bom número) continua a usar trajes tradicionais. E gosto de me pilchar, fico faceira! – concluiu a morte, voltando a assumir a forma gauchesca.
– Mas por que me levar agora? – insistiu o contista. – Sou velho, mas não estou doente.
– Lembra que tu falou que escrever havia se tornado a razão de tua vida, que se passasse três meses sem criar um conto era melhor morrer? Daqui a três horas, completam três meses que tu não escreve porra nenhuma. Então, bagual, só cheguei um pouquinho adiantado… – e deu um risinho.
O contista lembrou-se vagamente da frase. Estava bêbado como um gambá, quando havia falado a um amigo aquela barbaridade.
– Es – espere! – gaguejou. – Tenho ainda três horas, e a inspiração está chegando, vou escrever um conto razoável!
A morte gauchesca suspirou, exasperada.
– Tá bem, bagual. Verei o que você consegue fazer. Mas aviso, da próxima vez, não serei tão paciente…
E, assumindo a forma tradicional, de um esqueleto vestido em trajes negros, empunhando uma foice, a Indesejada desmaterializou-se.
O contista sentou-se diante do computador, escreveu o conto, o revisou e o postou. Ganhara três meses de sobrevida.