Apesar de não ser propriamente um escritor de histórias de terror, sempre que me encontro com o José Seabra, editor do Notibras, ele me instiga a lhe contar um conto desse gênero. O último foi “Gorrinhos coloridos”, enquanto degustávamos pastel com caldo de cana na rodoviária do Plano Piloto.
Aline, que nascera aventureira, permaneceu com esse ímpeto durante toda a sua vida. Toda a sua vida pode dar a falsa impressão de que tenha vivido muito, algo que não é verdade. Ou, ao menos, não se tem certeza. Isso porque, no auge dos seus quase 20, desapareceu na floresta da Tijuca, para onde havia ido com amigos para uma caminhada, provavelmente a sua última.
Essa dúvida, apesar de pairar sobre a mente de parentes, amigos e até desconhecidos, que leram a triste notícia do desaparecimento da garota, cuja foto foi estampada nas capas dos principais jornais da cidade, não ecoava na de sua avó, Ceci, que insistia em tecer gorrinhos coloridos para a neta preferida. A velha, como toda velha que era até velha para todos os outros velhos, vivia por ali sem ser percebida. Dia e noite, lá estava Ceci tecendo infinitos gorrinhos, alguns até com pompom no cocuruto, como Aline gostava.
Pelo que contavam os que estiveram com Aline no dia do sumiço, a garota havia cismado em seguir por uma trilha antiga, talvez usada por tribos que ali andaram há centenas de anos ou, então, por seres humanos escravizados em busca da liberdade. Aline, segundo diziam, sempre fora muito sensitiva para essas coisas, mesmo que a razão apontasse para o lado oposto.
Talvez por isso, Aline era tão próxima da sua avó, que, dizem, era bruxa. Mas não dessas de nariz adunco com verruga na ponta. Não mesmo! Ceci, bela até na velhice mais avançada, encantava a todos ao redor. Tal feitiço, aliás, corria a cidade inteira, que, volta e meia, trazia aflitos à procura de amparo.
Ceci, a despeito de nunca cobrar, sempre era muito bem remunerada. Isso lhe proporcionou uma vida terrena muito pra lá de confortável, beirando o luxo. Ela, no entanto, nunca se deixou iludir por tais mimos, a não ser por uma bela xícara de chá de ervas. Sem açúcar, ela dizia, já que a vida tratou de adocicar seus lábios desde bem cedo.
Não se sabe ao certo se foi numa terça ou quarta-feira. Talvez tenha sido mesmo numa sexta, quando todos estavam mais preocupados com o que iriam fazer no final do dia. Isso não importa! Seja como for, foi a Maricota, filha mais nova de Ceci, tia mais querida de Aline, que percebeu a ausência da velha. Cadê? Ninguém mais a viu! Procuraram por um tempo, mas logo trataram de se preocupar com os afazeres próprios de cada um.
Quase no mesmo instante, lá no meio da floresta da Tijuca, algo chamou a atenção daquela garota. Logo atrás de si, as folhas começaram a se mexer, como se alguém estive se aproximando. Curiosa, ela olhou para trás e sorriu. Era sua avó, que trazia em uma das mãos uma xícara de chá de ervas bem quentinho. Na outra, uma sacola cheia de gorrinhos coloridos, todos com um pompom no cocuruto.