De passagem por um dos muitos sites que nada informam, me deparei recentemente com um desses anúncios desinteressantes, mas que chamam atenção dos incautos que, como eu, são crédulos e até imprudentes. Abri e só então percebi que o reclame, veiculado por uma grande loja de departamentos, era sobre uma camiseta em defesa da corrida armamentista do atual governo. Nada convidativo, o preço talvez não tenha assustado apenas a meia dúzia de fanáticos que acreditam piamente na liberação das armas de fogo como antídoto contra a violência. Aliás, com a permissão divina para uma ilação, não me assustaria se descobrisse que a autoria do texto estampado na peça é daquele patriótico empresário: “…Deus julgará meus inimigos e eu providenciarei o encontro”.
Sinceramente, achei uma mer…cadoria, principalmente porque Deus não julga ninguém. Além disso, se a proposta foi culpar o Pai por nos dividir entre bons e ruins ou ainda mostrar o poderio letal de uma arma, ocorreu uma falha temporal. Em qualquer das religiões professadas no Brasil, aprendemos que o julgamento do Mestre ocorre após o “encontro” e não antes. Detalhes desnecessários para a continuação do texto, na medida em que encontros não representam necessariamente convergências ou escaramuças. Às vezes, os protagonistas transformam um café ou almoço em ideias ou candidaturas invencíveis. Em outras ocasiões, uma grande reunião para acertos políticos acaba em rompimentos irreversíveis. Ou seja, na política tudo pode acontecer, inclusive nada.
Oponentes históricos, os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva conversaram semana passada a respeito das “capitanias hereditárias” do país. Obviamente que as “sesmarias” políticas também foram incluídas no colóquio promovido pelo ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal Nelson Jobim, ex-ministro de Estado de ambos. Ocupou-se da Justiça de um e da Defesa de outro. Não comprometeu nenhum. Se não teve ares de convescote, pelo menos o “evento” esteve muito distante da lavagem de roupa suja. Como assuntou FHC, ambos podem ser – e são – adversários, mas não precisam ser inimigos. Na prática, a conferência teve por objetivo mostrar que o eventual antagonismo não deve ser sinônimo de apedrejamento de um ou de outro.
Dialogar faz bem ao coração e, no caso do Brasil, é fundamental para o fortalecimento da democracia. Não acompanhei, mas parece ter sido um ato de civilidade. É o que a sociedade espera dos homens públicos de bem e mesmo daqueles que eventualmente agem contra a lei, mas buscam penitência se apresentando ao crivo – na verdade ao perdão – do próprio povo que em algum momento desonrou. Embora a eleição presidencial de 2022 já esteja posta no Planalto, no Congresso, nas igrejas, bares, padarias e até em prosaicos inferninhos, ainda é muito cedo para prognósticos. De qualquer modo, tudo faz crer que teremos uma reunião de novas velhas personagens da política nacional. Na hipótese do meio termo, podemos voltar ao que já fomos. Meno male para nós e melhor para os tripulantes e passageiros da nau chamada Brasil, cujo capitão perdeu a bússola e não sabe para onde conduzir a embarcação.
Voltar ao passado é uma possibilidade que pode incomodar pela ausência de lideranças modernas, mas muito bem-vinda pelo fato de não representar mais qualquer chance de extremismo. O mais provável, no entanto, é que, com ajuda dos deuses terrenos, tenhamos uma contenda de almas penadas. E não adianta fugir ou se esconder sob as togas de advogados super bem pagos, pois um dia serão alcançadas pela verdade. Uma dessas já experimentou a lei dos homens. Entre as punições, a melhor delas certamente foi o aprendizado imposto pelos 580 dias vividos longe do que sempre fez na vida. Como cristão, vou torcer para que a outra não seja “perseguida” por pelo menos um dos 450 mil brasileiros que ajudou a transformar em números. Nesse suposto encontro de almas, o Brasil tem tudo para atingir patamares melhores do que os atuais.
Com a ajuda dos deuses mitológicos, uma penou pelos porões e começa a deixar o inferno de Dante pela porta da frente. Montada em cavalos, motos e, às vezes, em jet skis, a outra está bem próxima da porta dos fundos do purgatório. Ainda não sabemos a quem caberá o paraíso. Por enquanto, estamos em terra firme. Portanto, até o momento, além de estarmos bem vivos, a única certeza são os números. Um deles registra 51% de ruim e péssimo na avaliação popular sobre as ações de Bolsonaro no controle da pandemia. Justo ou não, um outro mostra Luiz Inácio liderando todas as pesquisas de intenção de votos. No pior deles, alcançamos 452 mil mortos e 16,1 milhões de doentes em decorrência de uma gripezinha chamada Covid 19.
A racionalidade ainda não foi alcançada plenamente, mas os que se diziam decepcionados com governos de inverdades estão absolutamente arrependidos. É a razão começando a se sobrepor à emoção e ao faccionismo político. No jargão popular, a preferência começa a mudar novamente de lado. Entre o felino sorrateiro e o rato, o povo quer a volta do rato. Entre o verdugo mentiroso e desumano e o malfeitor arrependido, a opção é pelo escamoteador de sonhos. Entre a cruz e a espada, a saída é São Jorge. Como na parábola do ladrão, a regra é clara: o homem não permitiria que sua casa fosse arrombada se soubesse a que hora viria o larápio. Com a guarda montada e as mentes abertas, improvável que o gato se arrisque a uma nova investida. Simples assim. Eu topo o risco.
*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978