Muito chato escrever repetidamente sobre o mesmo tempo. Todavia, considerando a mesmice do Brasil de Jair Messias, impossível fugir do óbvio. Usando ilegalmente uma frase cunhada pela jornalista alemã Ulrike Marie Meinhof (1934/1976), afirmo que protesto é quando eu digo que algo me incomoda. “Resistência é quando eu me asseguro que aquilo que me incomoda nunca mais acontecerá”. É assim que avalio os cerca de 60 milhões de brasileiros que votaram para mudar o Brasil. E os demais? Sem rumo, muitos deles mergulham na multidão para afogar o grito do próprio silêncio. São aqueles que, com horror à derrota, assimilam toda forma de expressão como protesto. Após mais de uma semana da vitória democrática do povo, confesso que, lá atrás, cheguei a temer pela incompreensão dos corretos. Lembrando uma tese difundida por Martin Luther King, o que me preocupava não era o grito dos maus, mas o silêncio dos bons.
A preocupação é passado. O futuro resplandeceu e sinaliza para um país bem melhor do que aquele dos últimos quatro anos. Hoje, depois de passivamente assistir ações e gestos absolutamente antidemocráticos, percebi que, apesar de fazer parte do jogo político, protesto não é vandalismo. Também conclui que, diante das bravatas bolsonaristas, meu silêncio acabou como o grito mais alto que alguém já deu. Ainda que de longe, acompanhei as manifestações diariamente. Ao longo dos dias, notei a avalanche de contradições dos patriotas de araque. Paramentados de defensores de um sistema arcaico de fazer política, os banderneiros cantavam em frente aos quartéis e nas rodovias bloqueadas uma musiquinha bastante conhecida: “Sou brasileiro com muito orgulho, com muito amor”. Muito justo para quem se acha mais patriota do que, por exemplo, os nordestinos. Interessante é que a capinha do celular da maioria era a bandeira dos Estados Unidos.
Pior é a falsa religiosidade. Entre um e outro pedido de intervenção militar, as centenas – não sei se milhares – de maus perdedores fantasiados pregavam a fé, isto é, se diziam seguidores da palavra de Deus e de Jesus Cristo. Contraditoriamente, no entanto, o que fazem – e fazem bem – é se eriçarem com atitudes de violência e de ódio. Tudo isso em conformidade e com apoio irrestrito do clã que ainda governa o país. Felizmente, só até 31 de dezembro. Liderado por um tal de mito, esse mesmo clã jamais teve qualquer preocupação com os brasileiros. Nem mesmo os fanáticos seguidores, a turma do cercadinho, um dia fez parte da lista de prioridades da família Bolsonaro. Foram sempre os inocentes úteis, que são aqueles que se colocam a serviço de uma causa apenas por conta da retribuição financeira que esperam ter. Simples assim.
É o caso de uma série de empresários demagogos, patrocinadores do golpe e muito parecidos com o principal personagem de um circo. Acessei um vídeo de um desses sem noção, dono de uma van de lojas, onde ele aparece convocando os chamados “isentões” a participar da luta armada para salvar o país. Em certo trecho, ele denomina os eleitores contrários de vagabundos e maconheiros. Não sou nenhuma coisa nem outra. Por isso, melhor ficar na obviedade. Afinal, a imagem dele realmente vale mais do que mil palavras. Ela é tautológica, ou seja, autoexplicativa. Faltando menos de dois meses para o fim do governo da desigualdade e da estupidez, qual será o temor desse tipo de gente? Medo de Lula da Silva ou do xerife Alexandre de Moraes? Quem sabe dois dois!
Esta semana, Moraes pediu urgência urgentíssima no envio das informações coletadas pelas forças de segurança durante os bloqueios golpistas de estradas e protestos em frentes a bases militares, inclusive com nomes de financiadores. O fato é que, associada a um ofício do Exército pedindo ajuda ao Governo do Distrito Federal para conter bolsonaristas no QG, a decisão do xerifão do TSE incomodou o vespeiro. Com isso, a tendência é que os idiotizados movimentos bolsonaristas percam a força. São brasileiros como eu, mas já vão tarde. Com esse pensamento, não fazem a menor falta. E jamais farão. O tal patriota do caminhão que o diga. Ele escapou de morrer exatamente no Dia de Finados. Depois da exposição, talvez ele repense e peça a Deus uma segunda chance.
Quanto a Jair Bolsonaro, muito mais do que ser apeado do poder, ser derrotado por Luiz Inácio marca o fim de um ciclo político mambembe iniciado em 2013, com o movimento Vem pra Rua, sepultado precocemente. A saga vitoriosa da lenda contra o mito também representa a interrupção de uma constante ameaça à democracia. Demorou mais do que o previsto, mas finalmente as voltas do mundo alcançaram os palácios do Planalto e da Alvorada, particularmente seu principal inquilino, o presidente que imaginou uma República de bananas podres. Agora, o que lhe espera é passar o tempo ruminando no melhor estilo da vida marvada de Rolando Boldrin. E como ficarão suas viúvas, principalmente os fanáticos da seita bolsonarista, os do agronegócio, os pseudo caminhoneiros e o véio da Havan? Pouco me importa, assim como eu não tenho qualquer importância para eles. O que posso dizer é que é preciso coragem para ser diferente e muita competência para fazer a diferença.
*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978