Sessenta anos depois da aprovação da primeira pílula anticoncepcional do mundo, o método segue imitando um ciclo menstrual de 28 dias. A mulher toma o medicamento por 21 dias e faz uma pausa de sete, quando normalmente tem sangramento.
Mas não precisa ser assim. “É um problema meramente religioso”, explica José Bento, ginecologista e obstetra dos hospitais Albert Einstein e São Luiz. Depois de décadas de rejeição a métodos de contracepção oral desenvolvidos por pesquisadores como Margaret Sanger e, posteriormente, pelo cientista Gregory Pincus, a indústria percebeu que imitar o ciclo menstrual da mulher seria uma forma mais fácil de convencer a sociedade – e a Igreja – a aceitar o medicamento.
Além de não ter motivo científico, a pausa de sete dias na cartela não deixa muitas mulheres felizes. Enquanto 85% das brasileiras menstruam mensalmente, 55% delas dizem que não gostam de ter que passar por isso. Os dados são da pesquisa Saúde Feminina, do Datafolha, realizada pela Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), em parceria com a Bayer. Foram entrevistadas 2.004 mulheres na faixa dos 18 aos 35 anos em oito capitais brasileiras.
Se você é mulher, provavelmente sabe por experiência própria que a maioria se incomoda muito “naquela semana” do mês. Mesmo assim, 45% das entrevistadas afirmaram que gostam de menstruar. A maioria justifica essa preferência por considerar a menstruação algo natural (25%), que mostra que estão saudáveis (39%) e que não estão grávidas (24%).
Portanto, a pausa para o sangramento ainda é considerada importante por quase metade das mulheres, apesar de desnecessária por motivos médicos. “As mulheres não querem menstruar, mas foram ensinadas que é uma coisa boa”, pondera Bento.
César Fernandes, presidente da Febrasgo, explica que o sangramento das mulheres que tomam pílula na verdade nem menstruação é. O útero não se prepara para a chegada da gravidez e a proliferação do endométrio não ocorre da mesma forma. Há uma descamação que é chamada de sangramento de privação.
Os especialistas garantem que, com orientação médica, a paciente não terá problemas ao emendar as cartelas de anticoncepcional. “Eu acho que esse processo de liberdade da mulher não tem volta, e não menstruar é um grande avanço para a mulher”, opina Regina Navarro Lins, psicanalista e escritora.
A atriz Fernanda Souza concorda. Ela revelou durante a coletiva de imprensa da campanha Sou Eu no Controle, da Bayer, que sofreu muito com cólicas – problema que afeta 62% das mulheres – e conseguiu controlar a dor quando começou a tomar pílula anticoncepcional. “Eu acho importante a gente escolher o momento de não sentir dor. Quando você tem dor, não consegue trabalhar direito, não consegue dar o seu melhor como ser humano. Eu digo isso porque já fui algumas vezes para o hospital tomar remédio na veia, já faltei a gravação, já perdi aulas aos 15, 16 anos.”
Já a cantora Karol Conká disse no evento que planeja passar para um método de ciclo estendido em breve. “Sou muito desregulada e não sei que dia menstruo. Fui fazer um show e tinha um look super cavado. Só que fiquei menstruada dois dias antes do esperado e tive que amarrar uma blusa na cintura, fiz o show com um look nada a ver”, disse.
Sem pílula. Bento pondera que algumas pacientes resistem à ideia principalmente por causa do recente movimento de rejeição à pílula anticoncepcional. Elas apontam que preferem se ver livres dos efeitos colaterais, como diminuição da libido e aumento no risco de trombose. “Como médico, você tem que respeitar. Eu explico para elas quais são os riscos, sem a pílula, do aumento de estrogênio toda vez que ela ovula. Isso pode a longo prazo trazer problemas para engravidar, como aparecimento de miomas, endometriose, cistos no ovário, pólipos”, diz. Ele ainda explica que, no passado, essas doenças eram menos comuns porque as mulheres engravidavam com mais frequência.
O médico ainda ressalta que cada paciente precisa conversar com seu ginecologista sobre as possibilidades de contracepção. “Uma mulher que está acima dos 35 anos, é obesa, sedentária e fumante não deve tomar pílula. E pílula anticoncepcional tem que ser orientada por médico.”
Novidade. No mesmo evento, a Bayer anunciou o lançamento de uma pílula anticoncepcional de ciclo estendido, a YazFlex. O produto é vinculado a um aplicativo no celular que ajuda a mulher a lembrar de tomar a pílula e planejar uma pausa de quatro dias a cada 120 (ou mais pausas, se preferir). Essa recomendação serve para garantir que, se houver algum sangramento por descamação de endométrio, a mulher terá planejado a data.