Lembro bem do dia que notei uma traiçoeira vantagem no estádio do Morumbi: a fila para ir ao banheiro feminino no intervalo da partida – saudades, Libertadores – era inexistente, enquanto a dos homens, de perder de vista. Digo traiçoeira porque percebi logo que não era vantagem alguma. Era apenas o retrato de um lugar pesadamente composto por homens. Por que homens se interessam mais por futebol? Bom, eu estava lá e não fui acompanhar ninguém.
Foi assim na viagem a Barcelona. Entre tantos lugares para ir, o primeiro que me veio à cabeça atende pelo nome de Camp Nou, o estádio do Barcelona, inaugurado em 1957 e onde atualmente estão Messi, Philippe Coutinho e Paulinho.
Comprei meu ingresso antecipadamente quando descobri que teria a noite do jogo livre. Quartas de final, primeira partida entre Barcelona e Roma. Champions League, meus amigos. Como não conhecia ninguém do grupo, me programei para ir sozinha. Eis que a assessora que nos acompanhava levantou a bola quando nos conhecemos: “Quem anima ir ao jogo?”
Fomos juntas ao estádio. E nos metemos em todo tipo de muvuca que faz do futebol algo muito mais legal do que apenas bola rolando: ficamos razoavelmente perto dos torcedores com sinalizadores que ecoavam cânticos na rua ao redor do estádio e saímos perguntando para as pessoas onde podíamos comprar algo para beber. E ela notou: num mar de homens, éramos aparentemente as únicas com uma latinha de cerveja nas mãos a caminho da entrada.
Assistimos, cada uma num lugar, aos 4 gols do Barça balançando a rede defendida por nosso goleiro-seleção Alisson. A Roma fez um gol, para a alegria dos italianos que assistiam ao meu lado. E o final da história vocês sabem: no jogo de volta, o Barcelona foi eliminado pela Roma, que, por sua vez, perdeu para o Liverpool, que, na final, deixou o título escorregar para o Real Madrid.
Não me lembro quantas vezes fui a um estádio de futebol. O que sei é que sempre foi um programa que gostei de fazer desde criança, quando acompanhava meu tio e meu pai aos jogos do time deles, mesmo que não fosse o meu de coração – o Morumbi sempre foi longe para que eu fosse sozinha ou que alguém, não são-paulino, me levasse. Depois de adulta, sempre incluí partidas ou visitas a estádios em minhas viagens.
Numa delas, dei sorte e peguei um amistoso da seleção mexicana no monumental Estádio Azteca, principal casa da Olimpíada de 1968 e da Copa do Mundo de 1970 – “em sete zero o esquadrão, primeiro a ser tricampeão…”. O jogo foi bem morno, o time não era lá grande coisa (e jogava contra a fraca seleção de Honduras), mas claro que valeu a pena. Quem assistiu ao vídeo dos mexicanos erguendo o embaixador coreano após a eliminação da Alemanha neste Mundial sabe que a festa do futebol sempre vale a pena. Em tempo: parabéns, México, foram bravos, muchachos.
Tenho muitas histórias pessoais cujo cenário tinha uma bola rolando. Infelizmente, algumas delas também são sobre machismo. Como esse, que diversas mulheres, torcedoras e trabalhadoras, têm passado na Rússia, mas que nosso ministro do Turismo, Vinícius Lummertz, julgou não ser “nada grave” porque “não morreu ninguém”. Segundo disse ao portal Uol, devíamos nos preocupar mais com os assassinatos no País, afinal “o simbolismo não representa nada estatisticamente”. Bom, não custa lembrar que somos o 5.º país com maior índice de feminicídios do mundo. É claro que o simbolismo está nas estatísticas.
Não há eufemismo possível para o machismo se quisermos combatê-lo. A voz feminina, contudo, tem dado respostas à altura. Tem denunciado, tem gritado, tem desafiado ordens e autoridades. Que forte foi ver as mulheres iranianas, por exemplo, ocupando seus lugares nos estádios russos como quem diz “nós temos esse direito”, mesmo sem precisar dizer nada – no Irã, elas não podem frequentar estádios. Ou de saber que leitoras do Viagem foram à Rússia, algumas sozinhas, para curtir a Copa.
Se viajar é permitir troca de culturas, viajar na Copa é isso em doses cavalares. Porque futebol é linguagem universal – e feminina também.