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Ato leviano

Coração de dom Pedro no formol não mata fome de ninguém

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Autor/Imagem:
Thiago Domenici/Via Agencia Pública de Jornalismo Investigativo - Foto Marcello Casal Jr

Nesta semana, raro foi quem ficou indiferente a sabatina realizada pelo Jornal Nacional (JN) com os candidatos à presidência da república. Enquanto começo a escrever este texto, o candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, primeiro colocado nas pesquisas, acaba de ser entrevistado pelos apresentadores William Bonner e Renata Vasconcellos. Ainda falta Simone Tebet (MDB) ser entrevistada nesta sexta.

Mas quem acompanhou as sabatinas até aqui pôde ver a diferença, digamos, abissal, entre dois homens públicos e democratas — Lula e Ciro Gomes — em comparação a um sujeito autoritário que a cada 3 minutos dispara uma mentira. Concorde-se ou não com eles, Ciro e Lula têm ideias e planos para o país.

Já Bolsonaro tratou de mostrar a mesma face autoritária e perigosa que transformou esse país num pária internacional nos últimos quatro anos.

“Os números da economia são fantásticos”, disse o capitão.

Só por essa frase inacreditável você, caro leitor indeciso, já poderia se decidir. Afinal, um país com 33 milhões de pessoas passando fome está bem longe do fantástico.

Gostaria de ver Bolsonaro falar isso à família do menino de 11 anos que ligou para o 190 pedindo ajuda. Não era um assalto. Ele e seus cinco irmãos e sua mãe estavam passando fome. O caso aconteceu em Santa Luzia, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (MG).

“Não tem nada pra gente comer”, ele disse ao policial. A situação do menino reflete uma escalada da insegurança alimentar grave no Brasil. Com a alta dos preços, não é raro vermos pessoas brigando por ossos ou famílias substituindo carne por ovos para aliviar o bolso, como mostramos em reportagem nesta semana e como revelou também o ótimo podcast “Prato Cheio”, do Joio e o Trigo, em episódio que mostra que no nordeste de Bolsonaro, ovo é coisa de rico.

Mas para o presidente — e seus empresários golpistas que gostariam de voltar a 1964 — o país vai bem. Essa gente vive num mundo paralelo, onde o conceito de bem-estar social é um privilégio das elites e da turma da Faria Lima.

E não se enganem: o tão falado Auxílio Brasil — antigo Bolsa Família — de R$600 reais (que vai só até dezembro!) tem caráter eleitoreiro, revelando mais perversidade do governo a quem tanto precisa dessa renda para sobreviver.

Se não bastasse a tragédia brasileira cotidiana que é real e respira ofegante, ainda temos de assistir incrédulos ao coração de Dom Pedro I conservado há 188 anos no formol ser recebido com honras de chefe de Estado. O coração do nosso mais conhecido colonizador e primeiro imperador, um “libertador” questionável que reprimiu diversos movimentos civis, retornou ao país como um órgão morto tomado como relicário para as comemorações do bicentenário da independência — em mais um lance da necropolítica bolsonarista, que até bandeira da monarquia hasteou em Brasília.

Em uma viagem cujas despesas foram assumidas pelo Brasil, é a primeira vez que o coração deixa Portugal desde sua morte, em 1834. Não bastasse o espetáculo mórbido, o coração foi recebido, nas palavras do chefe do cerimonial do Itamaraty, como “se Dom Pedro I vivo estivesse”. Pois é. Um coração no formol. E ainda faltam 36 dias para a eleição. Aguente firme, caro leitor, porque o 7 de setembro vem aí.

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