Uma campanha política é a prova cabal de que assim como são os homens são as criaturas. Pela vitória, tanto uns quanto os outros são capazes de qualquer coisa, inclusive o que juram nunca terem feito. Imagina uma disputa pela reeleição ao principal cargo do país. Aí, as criaturas engolem criadores, ameaçam a democracia, mentem descaradamente, inventam fatos e fotos, criam fakes que só se sustentam no período eleitoral – às vezes nem nele -, forjam fraudes e naturalmente se revestem de armaduras da bondade e passam a ser o que sempre abominaram. Pois, sob o pretexto de evitar o que só ocorre na mente dos alucinados, manto tudo isso aconteceu bem embaixo do nosso nariz e estimulado por um candidato eleito seguidos 28 anos por um processo que ele agora afirma estar envenado. Perdão pela sinceridade, mas só se for pela própria peçonha.
Não bastasse as convicções de técnicos com bagagem internacional que passaram anos criando, aprimorando os mecanismos de proteção, reavaliando e reprogramando as urnas eletrônicas, sempre com a intenção de aumentar a segurança dos equipamentos, o sistema de votação brasileiro é sistematicamente posto à disposição das legendas partidárias e de seus especialistas. Depois dos questionamentos apresentados pelo presidente da República e sua trupe, todos reprováveis e desprovidos de verdades, a Justiça Eleitoral decidiu escancarar suas portas e entranhas para dirimir qualquer dúvida que ainda pudesse pairar sobre as elogiadas maquininhas de votar. Desde o dia 4 de outubro, os chamados códigos-fonte da urna estão abertos à espera dos partidos, de entidades de fiscalização, Polícia Federal, Ministério Público, militares e militantes bolsonaristas que a atacaram inventando a fraude.
Até agora, nem o Palácio do Planalto e seu principal ocupante se manifestaram. Ou seja, tiveram de engolir o próprio veneno. Perderam o timing, movimentaram o Congresso com uma PEC do fim do mundo, fracassaram com um golpe paraguaio, fizeram meia dúzia de fanáticos acreditar que a urna realmente é violável. Entretanto, todos fugiram quando o ministro Luís Roberto Barroso vestiu a indumentária de juiz e resolveu assumir o controle da contenda. Paramentado e com apoio quase maciço, Barrosão convocou o eleitorado maduro, acionou o VAR, interrompeu a novela da fraude, inflou a bola e a colocou no meio de campo para dar o pontapé final e desanuviar um fictício cenário, criado exclusivamente para encobrir uma realidade que há muito assusta os criadores e a criatura: a ausência de votos suficientes para a reeleição.
Únicos a participar da inspeção, investigadores da sociedade civil procuram, mas não encontram nada que desabone o prestígio da urna eletrônica. Decepcionante para a militância da fraude, a certeza de inviolabilidade do sistema parece ter calado na alma dos detratores. Na súmula do juiz deve constar que o coração valente da urna silenciou definitivamente o discurso dos detratores. Portanto, acabaram as churumelas. Se não há mais dúvida alguma acerca da segurança do processo brasileiro de votação, resta aos farsantes inventar outro argumento capaz de recolocá-los na corrida de cavalinhos da política nacional. Quanto a metáfora do esporte bretão envolvendo o ministro Luís Roberto Barroso, vale lembrar que a postura do técnico da equipe que teme perder antes mesmo de entrar em campo também merece ser comentada. E questionada sem nenhuma preocupação de nova consulta ao VAR.
Do mesmo modo que um árbitro não pode ter pretensão de ser protagonista de uma jogo de futebol, difícil imaginar um presidente da República em campanha pela reeleição se arvorando ao posto de astro do sistema de votação do país, em lugar do conhecimento e da lisura da Justiça Eleitoral e da força e coragem do eleitor. No máximo, ele pode – e deve – pleitear um papel no elenco de candidatos ao cargo máximo da política nacional. Fora da disputa é tentar golpear o processo de livre escolha daqueles que nem sempre cumprem o que prometem durante a busca de votos. Mas isso é assunto para outra ocasião. Sobre o protagonismo, foi justamente essa a tentativa forjada de esconder o fracasso administrativo maculando a urna eletrônica, uma das poucas coisas que ainda funciona no Brasil sem a necessidade de rede.
Para seu funcionamento, bastam a renovação das máquinas, algumas tomadas e mesários e fiscais atentos aos boletins iniciais e finais de votação para que o povo tenha certeza de que o voto dado será o voto apurado. Conforme o convencimento do eleitorado, o desfecho será a subida aos céus ou a morte súbita dos candidatos. A respeito das fraudes sem provas dos equipamentos, ficou o dito pelo não dito. Aliás, sobrou a vergonha interna e externa para quem buscou ganhar o jogo fora das quatro linhas. O tempo passou com a rapidez de um raio e hoje, dois meses e dias após o papelão do 7 de setembro, as novas ameaças do mandatário à imprensa ou a antagonistas não passam de um ataque de risos. Jogo se ganha é no campo. O tapetão é para os derrotados. Resumindo, tudo indica que Jair Messias e seus seguidores preferiram aceitar a síndrome da derrota adquirida.