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Coragem para mudar vence nova inquisição montada pela Comissão Eleitoral

A cena parecia estar acontecendo em meados dos anos 60 do Século XIX. Na sala cheia, soavam vozes dissonantes, dramáticas, burlescas. Um pedido de aparte negado. Depois, a ordem para que se retirasse. Na pauta, a pautada segregação racial nas eleições da OAB brasiliense. Racismo, disseram alguns entre murmúrios e cochichos, enquanto assistiam, com olhos escancarados e cheios de temor, cena que se desenrolava diante deles.

No palco de mármore, a Comissão Eleitoral. A um canto, um advogado digno e sereno fitava a multidão. Era um dos muitos que, nesses tempos de trevas, tinha sido acusado ​​de heresia, de bruxaria, de traição ao santo ofício. E, por que não? Acusado de ser racista – ou defensor da causa.

Esse homem, que tem nas costas o peso da sabedoria, foi para ser inquirido. Viu-se em plena inquisição. É erudito, conhecedor de línguas e saberes antigos, bem mais consistentes que as leis atuais que mudam ao bel prazer de quem tem a caneta na mão. Como seu pecado maior é saber demais, não permitiram que fosse ouvido. O argumento dos verdugos, os que apontaram em direção à porta de saída, foi o de que sabedoria não leva ao céu. Mas pode levar votos às urnas.

Tivessem a ele dado a palavra, estaria aberto o caminho do inferno para os membros da Comissão Eleitoral. Mesmo porque o regimento da OAB, principalmente quando se trata de disputa de cadeira, não é nada divino que não possa ser questionado. Nas últimas horas a busca pela verdade virou crime, um ato de rebeldia, uma ameaça ao poder de comando. Frouxo, dizem.

Não havia no semblante do expulso o medo da tortura que atormentava durante os períodos da inquisição. Sua angústia residia naquilo que não podia mais dizer. A palavra, aquele dom precioso que havia cultivado ao longo da profissão, estava agora aprisionada na garganta. Não podia falar, não podia explicar. Era, ao fim, como se sua própria língua tivesse sido arrancada antes mesmo do pedido de aparte. O palco fez-se patíbulo.

Em seu silêncio, saiu altivo. Disse muito mais do que todos os inquisidores juntos poderiam dizer. No olhar dele, que percorria cada rosto ali presente, havia um grito de fervorosa resistência. A sua defesa, morta pelo silêncio imposto, virou um espetáculo que logo circulou entre advogados. Há debates por vir. Até o dia 17, a tragicomédia montada na Comissão Eleitoral ressoará como tambores de guerra e se espalharão como sinais de fumaça. Da Saída Norte à Saída Sul, em cada Administração Regional, em cada subseção, ficará marcada com dignidade e sabedoria a voz que os inquisidores não conseguiram calar.

O Século XIX ficou para trás faz tempo. A Inquisição, com seus rituais e sua pretensão de justiça, foi incapaz de compreender que o que realmente desejava apagar não era a voz de um advogado, mas sua memória. Contudo, ironicamente, a Comissão Eleitoral, pelo que se vê agora, só conseguiu alimentar a verdade que desmascara a acusação de racismo. Quem seguiu a orientação e deixou a sala, está abrindo as urnas para muitos colegas advogados depositarem seus votos. Como os tempos são outros, a coragem para mudar é indestrutível.

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