Como andei lendo por aí, a China vacinará boa parte dos brasileiros em troca da adoção do 5G chinês. As razões do acerto são desconhecidas, mas é fato a portaria do Ministério das Comunicações habilitando a chinesa Huawei para participar do leilão da modalidade. Claro que na política irresponsável e personalizada vale o poder de barganha. E isso é barganha, mas pouco importa. O que realmente é relevante hoje são as vidas que poderão ser salvas com a CoronaVac. Além de flora e fauna desejada pelo mundo, sempre tivemos equipamentos em condições e técnicos com expertise suficiente para desenvolver um medicamento do gênero.
As razões dessa repentina reaproximação podem ser nebulosas, mas logicamente que não há bonzinho no jogo político. Com seus quase 1,5 bilhão de habitantes, a China de Xi Jinping, muito mais que Índia e Rússia, produziria vacina e insumos com relativa tranquilidade para os 212 milhões de brasileiros. Como os chineses são nossos maiores compradores, qual o problema de não priorizarmos o 5G, ou quinta geração de telefonia móvel? A restrição anterior tinha a ver com pedido do papi Donald Trump, hoje carta fora do baralho mundial. Com o magnata fora do caminho, o Clean Network – proposta de Trump para conter o avanço da China – desceu pelo ralo.
O padrão sucessor do 4G começou a ser adotado ano passado em alguns países, entre eles o Japão. No Brasil, o leilão ainda não tem data definida, mas, pelo menos, tem bases concretas para selecionar as operadoras responsáveis pela oferta do serviço de conectividade utilizando essa tecnologia e em que áreas deverão atuar. Preocupado com a imunização, o povo não entende a oferta como prioridade. Entretanto, oxalá consigamos alcançar o 300G ou 500G. Por enquanto, lidamos com a Covid-19, com impasses decorrentes de inabilidades políticas, muitas inabilidades, e certamente futuras quebradeiras.
Pode não parecer justo com as famílias que perderam ou perdem entes queridos por falta de vacina discutir 5, 6 10 ou 100G sem concluir a imunização do povo. E não é, mas é o ordenamento do mercado e negociações comerciais (que precisam ser respeitadas). Antes de entregarmos essa nova onda tecnológica, precisamos saber se sobrará alguém para usá-la. Na melhor das hipóteses, quantos sobrarão? Esperamos que todos sobrevivam para contar a história de um Brasil bem próximo do abismo. Isso depois da balbúrdia e da escalada de desmandos e atropelos produzidos pelo presidente da República ou por ordem sua.
Dificultamos e empurramos com a barriga um problema que poderia ser minimizado se o ocupante da cadeira presidencial tivesse comando, sabedoria, preparo, consciência, tolerância, zelo pelo bem público e amor (só um pouquinho) pelo semelhante. Difícil pedir isso a quem não zela sequer pelos seus. Se tivéssemos seguido logísticas de cientistas compromissados com o país e seu povo, hoje estaríamos a cavaleiro para imunizar toda a população, oferecer a vacina para nossos vizinhos latinos e negociar, sem acertos de bastidores, o 5G com a Huawei.
Se não insistíssemos em copiar a inoperância de ex-presidentes lunáticos, talvez não fôssemos vice-líderes no volume de óbitos decorrentes da Covid-19. Perdemos o mórbido primeiro lugar exatamente para quem ensinou o líder brasileiro a fazer tudo errado. Com alguma humildade, poderíamos começar devolvendo a gentileza de Nicolás Maduro, que graciosamente enviou oxigênio para o governo do Amazonas. Logo a “odiada” Venezuela nos tirando do sufoco. Logo a Venezuela, cujo presidente tanto mal já causou a seu povo.
Mais um pedido difícil para quem usa de sua condição de direita para fazer pior. Os de direita não têm recibo para vilipendiar, ameaçar, esculhambar, ferir e ignorar os de esquerda. Só na cabeça de tiranos. No Brasil de Bolsonaro, para ser um patriota de boa cepa tem de comer em sua mão, uma mão que, após 28 anos de mandato parlamentar, nada produziu de útil para o país. Se tiverem tempo e oportunidade, pesquisem na lista de discursos e de projetos apresentados e aprovados na Câmara dos Deputados quais e quantos são de sua autoria.
Obviamente os de interesse próprio devem ser excluídos. Também devemos esquecer o panfleto em homenagem ao coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra. Quanto ao 5G, não será surpresa caso se confirme a negociação de governo com a China. Nada de extraordinário para quem já fez acordos com Deus e o Diabo para ter uma vacina para chamar de sua. Enquanto ela não vinha, o tempo passou. E rapidamente os números da pandemia aumentaram assustadoramente no Brasil.
Com eles (os números), o mundo parou e o imenso mercado consumidor do país se apequenou diante do vírus. Haverá recuperação, como houve em outras épocas, mas vai custar muito caro e demorar anos, certamente décadas. Mesmo que haja um próximo mandato – tomara que não -, a volta por cima dificilmente será comemorada pelo atual ocupante do Palácio do Planalto.
Vamos sonhar com a luz no fim do túnel, de modo que tiremos do Brasil o rótulo de país desgovernado. A hibernação generalizada já está longa demais. Não criemos expectativas, mas até lá a tecnologia certamente estará mais avançada. Se ainda tivermos um país sério e um governo sóbrio, poderemos, com confiança, emprego, salário e vida, comprar de um a mil e de A a Z todos os gês disponíveis nas prateleiras. Se puder, vou escolher um GG.
*Mathuzalém Junior é jornalista profissional desde 1978