A semana que passou foi corrida no Conselho Nacional de Justiça, onde foram analisados diversos processos. Um dos mais comentados é o julgamento do desembargador Carlos Eduardo Contar, presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul, acusado de ter hasteado a bandeira do Brasil Império no mastro principal do TJ-MS, no 7 de Setembro do ano passado, como se nossa independência fosse estória, e não parte da história.
No caso, a ministra Maria Thereza, Corregedora Nacional de Justiça, proferiu voto pela abertura de processo contra o desembargador Carlos Eduardo Contar. Disse ela:
“Em suma, os elementos probatórios constantes nesta análise de conteúdo preliminar ensejam o aprofundamento da apuração em regular Processo Administrativo Disciplinar, visto que há indícios de que o magistrado reclamado pode ter atuado em contrariedade aos deveres impostos na Lei Orgânica da Magistratura, ao negligenciar o dever de cumprir e fazer cumprir, com independência, serenidade e exatidão, as disposições legais e os atos de ofício, além de negligenciar também o dever de agir sempre visando a preservação do papel constitucional e institucional do Poder Judiciário”.
Na avaliação de Maria Thereza, Carlos Eduardo Contar pode ter afrontado “o disposto nos artigos 1º e 13, § 1º, da Constituição Federal, 13, V, e 19 da Lei n. 5.700/1971, 35, I e VIII, da LOMAN, 1º, 2º, 5º, 7º, 24, 25 e 37 do Código de Ética da Magistratura Nacional, que devem nortear a conduta de todos os magistrados, fatos que deverão ser objeto de melhor apuração no Processo Administrativo Disciplinar.”
O voto de Maria Thereza foi acompanhado pelos conselheiros Luis Philippe Vieira de Melo Filho, Salise Monteiro Sanchotene, Richard Pae Kim, Márcio Luiz Coelho de Freitas, Sidney Madruga, Luiz Fernando Bandeira de Melo Filho.
O julgamento foi suspenso a pedido da Associação dos Magistrados do Brasil, que requereu sua intervenção como terceira interessada no processo. A partir daí, não se sabe quando havberá espaço na pauta para dar continuidade ao julgamento. Segundo especialistas em direito administrativo sancionador, o artigo 127 do Regimento Interno do CNJ, somente determina a devolução de processo para julgamento na próxima sessão quando algum dos conselheiros pedir vistas, o que não é o caso dos autos.
Integrantes da Rede Pelicano Brasil de Direitos Humanos e do Ibepac, apesar das divergências que têm com o desembargador Carlos Eduardo Contar, reconhecem o seu trabalho junto ao TJ-MS e este processo lembra a obra de Miguel de Cervantes, Dom Quixote de La Mancha. Segundo os Pelicanos, com base nos estudos Kalhil Gibran Melo de Lucena[1], Dom Quixote seria a representação do lado espiritual, sublime e nobre da natureza humana; e Sancho Pança, o aspecto materialista, rude, animal. Entrementes Llosa elucida que:
A modernidade de Dom Quixote reside em seu espírito rebelde, justiceiro, que leva o personagem a assumir como sua responsabilidade pessoal, mudar o mundo para melhor. Mesmo, quando ao tratar de pôr em prática esta mudança, se equivoca, se arrebenta, bate-se contra moinhos de vento – obstáculos intransponíveis, e é golpeado, vexado, e até convertido em objeto de chacota e riso. (…)
Ainda que não saibam, os novelistas modernos, os escritores contemporâneos, quando jogam com as formas, distorcem o tempo, embaralham e enredam os pontos de vista, experimentam com a linguagem, são todos devedores de Cervantes. (LlOSA, Mario Vargas – 2004).
A obra de Cervantes relata que de tanto ler histórias de cavalaria, um ingênuo fidalgo espanhol passa a acreditar piamente nos efeitos heroicos dos cavaleiros medievais e decide se tornar, ele também, um cavaleiro andante.
A história de vida de Cervantes parece significar que Dom Quixote coincide também com as ilusões perdidas de um autor que, aos 58 anos, apresentava-se como uma das mais notórias mentalidades da Modernidade.
Dom Quixote é uma novela para o século XXI. É também uma novela de homens livres, quando debocha do poder e dos poderosos, na passagem em que o Sancho quer guardar seu burro dentro do Castelo da Duquesa. Ela o proíbe, alega a elevada dignidade do lugar. E Sancho Pança contesta: Porque só o meu burro não pode entrar em palácio? Porque não, senhora duquesa, se há até burros, secretários e ministros de Estado? (LlOSA, Mario Vargas – 2004).
Até lá, enquanto não pautarem o processo para julgamento, fica o dito pelo não-dito e o não-dito pelo dito!
Referência do texto
1. LUCENA. Kalhil Gibrean Melo de. DOM QUIXOTE EM CORDEL: MIGUEL DE CERVANTES E O RENASCIMENTO NA ESPANHA (1547-1616). Disponível em http://www.unicap.br/coloquiodehistoria/wp-content/uploads/2013/11/4Col-p.206.pdf