Giovana Girardi
Imagine um trabalho de reflorestamento de 2,6 mil quilômetros contínuos, com até 40 km de largura, cortando a metade norte do Brasil em uma área total de 10,4 milhões de hectares, com cerca de 2 bilhões de árvores plantadas. Esse projeto ousado foi apresentado pela ONG holandesa Black Jaguar Foundation, em parceria com uma brasileira e também com cientistas nacionais, durante o Congresso Internacional de Conservação da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), realizado em Honolulu (Havaí).
Visando ao reflorestamento das áreas de preservação permanente (APPs) em todo o trajeto do Rio Araguaia, que nasce no Parque Nacional das Emas (GO) e deságua no Atlântico, em Belém (PA), o projeto tem como ponto de partida o Código Florestal, que obriga a recuperação de áreas desmatadas ilegalmente. Mas propõe que isso seja feito de modo integrado, fazendo os trechos recuperados terem conexão, a fim de promover um grande corredor para a biodiversidade na região.
A ideia de corredores não é nova e orienta projetos de conservação há muitos anos no Brasil, mas esse, se der certo, seria o maior do País. O mecanismo por trás dele, porém, implica proprietários de terra fazendo replantio de floresta e é hoje um dos principais desafios ambientais do Brasil e do mundo. Foi um dos temas mais discutidos nos primeiros dias do congresso da IUCN pelos benefícios tanto para a proteção da biodiversidade quanto para diminuição dos impactos das mudanças climáticas.
Nacionalmente, o Brasil se comprometeu a restaurar e reflorestar, até 2030, 12 milhões de hectares de florestas, como parte da contribuição ao Acordo de Paris. Como isso vai ser feito e quem vai pagar a conta ainda são objeto de debate.
Fundos – Para o holandês Ben Valks, que criou a Black Jaguar Foundation depois de se aventurar pela região amazônica, sem sucesso, em busca da “black jaguar” – uma variante rara de onça pintada -, um dos caminhos para conseguir fazer proprietários se adaptarem à lei é levantando fundos. Com o mote de que “é tarde demais para ser pessimista”, ele levantou fundos para o plantio-piloto em duas propriedades em Limoeiro (PA) e Caseara (TO), totalizando 6 mil hectares – o valor não foi divulgado. A equipe de Valks calcula que vai precisar de 4 bilhões de euros (em torno de R$ 14 bilhões) para o projeto, mas defende os ganhos climáticos desse corredor, que cortaria os biomas Cerrado e Amazônia, para o mundo inteiro.
Além das onças pintadas, que hoje estão desaparecidas da região justamente por perda de hábitat, o projeto espera beneficiar o boto-cor-de-rosa, a lontra gigante, o jacaré-açu e a piraíba, a maior espécie de peixe de couro da América do Sul. Segundo Ivan Nisida, coordenador de projeto da ONG, a ideia é desenvolver com os proprietários práticas agroecológicas de integração floresta-pecuária-lavoura para tornar a economia sustentável e livre de desmates. “Queremos que as parcerias com produtores, independentemente do porte, produzam benefícios sociais e econômicos. Além dos impactos ambientais positivos, o Corredor do Araguaia vai figurar como um vetor de prosperidade”, diz.
Questionado, Valks não considera esse um projeto quase impossível. “É difícil, mas somos uma ONG com um projeto só. Grandioso, mas é o nosso foco. E estamos trabalhando com o cumprimento da lei, com a necessidade que produtores têm de restaurar as terras. Então é, de certo modo, mais prático.”