Quadro dramático
Cortes desmontam as pesquisas científicas
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emEm meio à maior crise sanitária mundial em um século, o governo federal cortou quase 70% da cota de benefícios fiscais para importação de equipamentos e insumos destinados à pesquisa científica em 2021.
Segundo um levantamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), o montante total caiu de US$ 300 milhões (R$ 1,6 bilhão, em valores corrigidos pela inflação) em 2020 para apenas US$ 93,29 milhões (R$ 505 milhões) – uma queda de 68,9%, mais precisamente.
O presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Ildeu de Castro Moreira, critica o que chama de “redução absolutamente drástica” e afirma que o novo valor é “absolutamente insuficiente” para as demandas usuais do CNPq com importação de equipamentos e insumos para laboratórios.
“Já estamos recebendo muitas notícias ruins sobre a ciência no Brasil. E essa foi uma adicional que ameaça muito a ciência brasileira, inclusive, no enfrentamento das questões da Covid-19. Essa redução é absolutamente drástica”, diz Moreira, que também é professor do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
A medida impacta duramente, por exemplo, a atuação do Instituto Butantan e da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), que estão empenhados na produção de novas vacinas contra a COVID-19. Os produtos comprados nesta cota, de outros países diretamente para pesquisa científica, são livres de impostos de importação.
Duas leis de 1990 garantem o benefício fiscal, mas a definição sobre o valor é feita todo ano e fica a critério do Ministério da Economia, atualmente comandado por Paulo Guedes.
De acordo com o presidente da SBPC, o CNPq precisaria de pelo menos US$ 110 milhões (cerca de 595 milhões de reais) só para investir no combate à pandemia de Covid.
“O impacto é muito ruim, porque estas instituições estão muito envolvidas com a pesquisa sobre as novas vacinas que estão sendo utilizadas, sendo que há ainda 20 novos imunizantes sendo discutidos também em várias instituições”, lamenta.
Ponta do iceberg
Moreira ressalta que o impacto negativo ocorrerá não apenas para as psequisas relacionadas com a pandemia, mas também para o estudo de outras doenças que afetam o Brasil. Segundo o cientista, o país é dependente da compra de equipamentos e insumos para produção e experimentos.
“Como o pesquisador vai pagar imposto de importação? Como as instituições vão pagar imposto para equipamentos e insumos que são decisivos para o uso público? Então, essa redução drástica na cota de importação, de certa maneira, parece fazer parte desse desmonte orquestrado, pois só podemos interpretar assim”, critica.
Para o presidente da SBPC, os problemas sanitários enfrentados pelo país com a pandemia são apenas a ponta do iceberg. Segundo Moreira, desde 2015, há uma contínua redução de recursos destinados a áreas como ciência, tecnologia e inovação.
O CNPq mostra, em seu levantamento, que o novo valor da cota de benefícios fiscais para pesquisa científica é o menor da década. Em 2010, o montante era de US$ 600 milhões (R$ 3,25 bilhões). Em 2014, subiu para US$ 700 milhões (R$ 3,79 bilhões). E em 2017, o valor já caiu para US$ 300 milhões (R$ 1,62 bilhão), mesmo patamar de 2020.
“Os recursos programados para o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações no ano que vem é de menos de um terço do que tínhamos há dez anos. É uma redução extremamente significativa, que afetou muito os projetos de pesquisa e em laboratórios no país inteiro em todas as áreas, em particular na Saúde”, ressalta.
‘Terraplanismo econômico’
Moreira diz que a preocupação dos pesquisadores e de todos os profissionais da área é de “resistir ao desmonte” e tentar “retomar o dinamismo”, tanto para preservar a saúde dos brasileiros, como para recuperar a economia. Porém, no cenário atual, o presidente da SBPC ainda mantém uma visão pessimista com o futuro da ciência no país.
“O presidente da República fez vetos ao chamado Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico [FNDCT]. Nós conseguimos aprovar no Congresso Nacional um projeto de lei importante para liberar os recursos desse fundo, mas foram vetados por orientação do Ministério da Economia, onde predomina um terraplanismo econômico, que está levando a ciência brasileira a uma situação trágica”, afirma.