Muito se fala sobre os cuidados que as pessoas precisam ter para evitar levar o novo coronavírus para dentro de casa. No caso dos catadores de resíduos, a preocupação maior é com o inverso: evitar que o vírus seja levado das casas de pessoas contaminadas para ruas e aterros sanitários por meio do lixo.
Segundo a integrante da coordenação nacional do Movimento Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR), Aline Sousa da Silva, a maioria dos catadores parou com as atividades, uma vez que “parte deles tem idade mais avançada, sendo portanto pertencente ao grupo de risco”.
“Paramos de trabalhar por causa desse quantitativo e também do maior risco de contaminação pelo resíduo, em função da resistência do vírus, que faz com que ele sobreviva por mais tempo nos materiais que coletamos”, disse Aline.
Segundo a coordenação do movimento, cerca de 15% dos cooperados são de grupos de risco, acima de 60 anos, lactantes ou portadores de doenças crônicas. Como, no atual momento, as cooperativas de catadores estão fechadas por força de decreto, o risco de contágio desses profissionais está restrito aos catadores independentes, aos quais as cooperativas não têm controle.
Problemas financeiros
Diante do fechamento das cooperativas, os problemas financeiros vão se acumulando. “Desculpa por não ter atendido sua ligação. Pensei que era cobrança. Não aguento mais ligarem para me cobrar as contas atrasadas”, disse Alex Cardoso, da coordenação nacional do MNCR, ao retornar a ligação da reportagem.
“Antes mesmo da chegada do vírus, já vivíamos uma situação financeira agravada pelo fechamento das fábricas recicladoras e grandes geradores. Não há geração de resíduo de qualidade, nem temos como vender [o material] a bons preços. Só tem materiais [para coleta] nas casas, que são diversos e muito misturados, aumentando o trabalho”, explicou.
Segundo Cardoso, quem ainda compra materiais baixou em 50% os valores pagos por recicláveis. Além disso, “a maioria das prefeituras está com o pagamento dos contratos atrasados com as cooperativas”, o que dificulta, inclusive, a compra de equipamentos de proteção individual – como mascaras e luvas, produtos de limpeza, e álcool gel – por aqueles que estão em melhores condições.
Por esse motivo, a entidade está na linha de frente, pedindo celeridade para que os subsídios previstos para a categoria sejam liberados. “Apesar de termos sido incluídos pelos legisladores como uma das profissões prioritárias para o recebimento do benefício, o aplicativo disponibilizado pela Caixa Econômica Federal não incluiu nossa profissão para o recebimento da renda básica”, disse Aline. “Os catadores foram priorizados, entretanto na hora do cadastro não tem como preencher a profissão. Como eles vão saber quem são os catadores do Brasil?”, complementa Alex Cardoso.
Diante da situação, a entidade diz já ter acionado o Conselho Nacional de Direitos Humanos, com o intuito de obter apoio para corrigir o problema na plataforma da Caixa e no processo para recebimento do benefício.
Riscos
Outra situação que preocupa a categoria dos catadores de resíduos é a falta de cuidados da população na hora de dispensar seu lixo. “Não temos como saber se os resíduos que saem das casas estão vindo de uma pessoa infectada ou não. Sempre podem estar contaminados. Por isso, é realmente duro ter que se expor desta forma e conviver com o medo de levar o vírus para nossas famílias”, argumentou o coordenador.
A situação levou a categoria a um dilema, segundo a coordenadora Aline Sousa da Silva. “Ao mesmo tempo que sabemos que nossa atividade deveria ser considerada essencial, temos muitas preocupações com relação a exercê-la de forma insegura”, disse.
Lixo no sol
Como forma de solucionar o dilema, integrantes do movimento sugerem que a população aproveite o isolamento para se reeducar ambientalmente, e passe a dar tratamento adequado para descontaminar os resíduos que coloca no lixo.
“O vírus é triste, mas pode ser uma oportunidade para a população se reeducar e colocar em sua rotina o tratamento de resíduos [lixo seco], de forma a proteger tanto sua família como os catadores que trabalham nos aterros e nos lixões”, disse Aline ao defender que, antes de colocar o material reciclado no lixo, as pessoas o deixem pegando sol por, pelo menos, um dia. “O sol é um higienizador”, explicou a catadora.
Solidariedade
Com o objetivo de ajudar os profissionais a sobreviver em meio à pandemia e à falta de recursos decorrentes da paralisação de suas atividades, a Associação Nacional dos Catadores e Catadoras de Materiais Recicláveis (Ancat) deu início à Campanha de Solidariedade aos Catadores do Brasil, e criou um fundo nacional de solidariedade, por meio do qual podem ser feitas doações via depósitos bancários, tanto por pessoas físicas como por pessoas jurídicas.
As doações de pessoas físicas podem ser feitas na conta poupança número 16057-4, da Caixa Econômica Federal. A agência é a de número 2994 (operação 013).
Já as pessoas jurídicas interessadas em fazer doações podem fazer por meio da conta corrente 1871-1, também da Caixa (agência 2994; operação 003).