Trem descarrilado
CPI do 8 de janeiro vira circo com estripulias de Mauro Cid
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emOriginário de famílias tradicionais na arte de fazer rir, o verdadeiro circo é composto por artistas comprometidos com a palhaçada séria, cujos decibéis medidos a partir das gargalhadas da plateia são a garantia dos numerários para a sobrevivência da trupe circense. No sentido oposto está o circo da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) instalada para investigar a barbárie de 8 de janeiro. Com dinheiro do contribuinte quase faquir, no plenário da CPMI os malabaristas, trapezistas, palhaços, equilibristas, ilusionistas, contorcionistas, acrobatas e contadores de histórias do picadeiro real dão lugar a um grupo de atores ilusórios, chinfrins e loucos para aparecer. O objetivo de boa parte deles é um só: impedir a qualquer preço que a comissão chegue ao fim. Sem script, essa boa parte morre de medo de o cateto da hipotenusa acabar em sol quadrado.
Trabalham, discursam, interpelam e interrompem perguntas e respostas com propostas claras de fazer dessa CPMI os mesmos bolinhos de arroz, croquetes de quiabo e pizzas de repolho roxo das demais. Tudo bem ao gosto dos camaradas do tipo azougue, embora fantasiados de bons moços. Falam pelos cotovelos sobre o que juraram jamais fazer pelo povo como se ainda convencessem os meninos da quinta série de qualquer escola pública. Mesmo sem entender o que ouvem, os das escolas particulares e os concurseiros profissionais já se acham convencidos, pois nunca tiveram de comer bunda de tanajura com farinha para matar a fome. Sei que nada tem a ver a pizza das CPIs com a suculenta bunda da formiga pós-temporal. O preâmbulo aparentemente sem nexo é apenas para mostrar o tamanho de nossa inércia perante as saúvas do Congresso Nacional.
Na forma de impostos disso e daquilo, pagamos ingressos caros para que os senhores e senhoras parlamentares utilizem corretamente o palco das comissões e, no mínimo, concluam com a merecida lisura as investigações acerca de mazelas produzidas por homens públicos daqui e dali. Não é o que vemos. Nossos desventurados deputados e senadores criaram CPIs para checar se Collor realmente tinha aquilo roxo, para avaliar a capacidade acadêmica da professora de português de Dilma Rousseff, para confirmar a rouquidão de Luiz Inácio e até para medir a brochura de Jair Messias. Nada que justifique o muito que ganham para produção próxima de zero. Não fosse o ministro Gilmar Mendes, também seria assim com a CPMI da Covid 19, cujo novo desfecho deve significar pesados sonhos para Monsieur Butterfly.
Talvez pesadelos tenebrosos para ele e para a turma do Gabinete do Ódio. Não tenho bola de cristal, mas tudo indica que a distância entre o jogo do poder e o do xadrez será bastante curta. Consultados informalmente, alguns juristas afirmam, inclusive, que, a exemplo do que fez o tenente-coronel Mauro Cid na CPMI do 8 de janeiro, todos os que forem alcançados pelas barras dos tribunais poderão frequentar fardados os tabuleiros do xadrez. Convenhamos que não é um privilégio de todos. Obviamente que concluir ou não uma comissão de inquérito depende de vários fatores. Além da obrigação do acerto entre os pares da situação e da oposição, há de haver a “compreensão” da Procuradoria-Geral da República – na verdade, do procurador-geral – e a complacência ou conivência relativa do Poder Judiciário.
Não houve no caso da CPI da Covid, pois o parecer da PGR foi pelo arquivamento da série de denúncias contra o grão-vizir do Cerrado, defenestrado para o bem da nação. Como Gilmar Mendes mandou desarquivar, o trem bolsonarista deve descarrilar de vez. A locomotiva, os vagões, os cobradores, o trilho, os dormentes e, sobretudo, o maquinista estavam apodrecidos. Pelo andar da carruagem, a CPI do 8 de janeiro está caminhando para o estouro de uma bomba de várias ogivas, com recheio de nozes, vozes e que tais estrelados. Nós, os bobos da corte, provavelmente teremos de recolher – pelo menos temporariamente – o nariz e a indumentária de palhaço. Digo isso porque, o que parecia uma estratégia supimpa em favor de Mauro Cid, pode acabar complicando de vez o silencioso e competente carregador da pasta presidencial.
Os menos desinteligentes sabem que CPI alguma tem poder para julgar ninguém, muitos menos os figurões e os fujões da República. Esta é uma prerrogativa do Judiciário, particularmente do STF. Portanto, a súcia bolsonarista está redondamente enganada se acha que Mauro Cid se livrará ficando calado diante de seus inquisidores. Será que os brasileiros com algum tutano duvidam que os plenipotenciários ministros do Supremo Tribunal dormem no ponto? Será que alguém acredita que eles já não tenham opinião formada a respeito da culpa do tenente-coronel? Então, enquanto aguardamos o povo acordar, que tal dar uma sugestão a Mauro Cid: cale-se e verás com quantos paus se faz um croquete ou com quantas calabresas se produz uma robusta pizza com borda de pimenta malagueta com boldo.