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CPI, o palco de mentiras como meta de governo

Exemplo mais cristalino de quem manda e quem obedece, o general Eduardo Pazuello fez do Ministério da Saúde seu sepulcro em vida. Sem ser médico, nunca ter precisado ou ouvido falar do Sistema Único de Saúde (SUS) e jamais ter experimentado a cloroquina que prescreveu, aceitou capitanear uma obra que sabia não ter condição de concluir. Aliás, pelo menos nos quesitos farda e divisas, ele, como superior, deveria “generalar” a empreitada, deixando para o capitão o serviço mais pesado ou o mais sujo. O resultado não foi condizente com sua pompa de oficial de logística. Atraído pelo poder, não ouviu aconselhamentos dos mais antigos, inebriou-se pelos devaneios do líder de paletó e gravata e, após tantas enrolações e contradições, acabou perdendo prestígio e o respeito da tropa.

Como peixe que se distancia da realidade e chega mais próximo da margem, morreu pela boca. Virou Rolando Lero. De sorriso largo, mas de memória curta, ainda não percebeu que a vida cobra caro daqueles que, mesmo sem conhecimento da força da árvore, acreditam poder alcançar um galho com grau máximo de dificuldade. O significado do ditado parece ter sido escrito por encomenda. É cada pessoa no seu devido lugar, sem intromissão em coisas que não são de sua alçada ou para as quais não tem competência. Na CPI da Covid, para a qual foi convocado para explicar as ações e omissões do governo no combate a pandemia, esqueceu de que dispunha de uma habeas corpus que lhe garantia o silêncio. Deitou falação tão desconexa que desconcertou até o mais rabudo dos membros do colegiado.

Por exemplo, teve coragem de afirmar em rede nacional que não receitou cloroquina e que em tempo algum recebeu ordens diretas de Jair Bolsonaro para cancelar qualquer tipo de contrato, inclusive com o Butantan para compra de 46 milhões de doses da CoronaVac, fabricada pelo laboratório chinês Sinovac. Para surpresa do Brasil e do mundo, o senador Renan Calheiros (MDB-AL), relator da comissão, preferiu não confrontá-lo com dois vídeos públicos que varreram porões, salões, ruas, avenidas e quartéis do país. Em um deles, o presidente, ao anunciar o cancelamento do negócio, diz a apoiadores que quem manda é ele e que jamais compraria um imunizante que não interessa a ninguém, só ao Brasil. Em outro, ainda mais comprometedor, Pazuello quase se ajoelha para demonstrar sua subserviência a quem manda e quem obedece. Falta de fosfosol ou de outro medicamento similar para perda repentina de memória?

A verdade é que, marcado por contradições, o depoimento do general serviu apenas como vã tentativa de blindar quem verdadeiramente põe as cartas na mesa. Vã porque, contra os fatos, todo argumento é falho. Não tenho esse feedback, mas impossível que, após ter se incriminado tanto para salvar quem o achincalhou, ainda consiga o mesmo carinho e respeito dos subordinados fardados. Falo de carinho e respeito honestos. Debaixo de vara ou de fuzil, até os brutos são carinhosos. Seguindo a base da parábola (mesmo vendo eles não veem, ouvindo não escutam e não compreendem), o general fugiu do oxigênio como se o ar medicinal tivesse bandeira, posição política ou ideologia. A única vinculação é que os irmãos amazonenses acabaram salvos pelo oxigênio da “comunista” Venezuela, comandada pelo diabo vermelho Nicolás Maduro.

Mais uma das incoerências brasileiras. Nosso governante não aceitou o Boeing que seria enviado pelos Estados Unidos e foi obrigado a ceder espaço aéreo e pista de pouso para o teco-teco venezuelano. Dando a narrativa modorrenta de CPI um ar de leveza, Pazuello deu a mesma resposta a todas as perguntas sobre sua melancólica saída do Ministério da Saúde: missão cumprida. Lamento ter de novamente pesar o texto, mas integrar um governo que ainda não conseguiu vacinar mais do que 19% da população e não teve capacidade de conter uma “gripezinha” quando ela podia ser contida é sinônimo de assinar e não honrar promissórias de incompetência. Por isso, a forma mais honesta de responder aos senadores seria: omissão cumprida. Os números comprovam isso. A obediência cega do ex-ministro já gerou 444 mil mortes e 15,8 milhões de infectados pelo vírus “chinês”.

O fim dessa doce loucura deverá ser deveras amargo. Eduardo Pazuello teve oportunidade de abrir o jogo para a CPI e para o país. Sentou-se na cadeira da inquisição com a clara decisão de negar a doença e o imunizante. Prova é que, beneficiado pelo Supremo Tribunal, preferiu não se utilizar do habeas corpus, optando pela autoincriminação e pela proteção a qualquer custo de Jair Messias. Além do risco de ficar sozinho lá na frente (no momento da apresentação do relatório final de Renan Calheiros), o general de três estrelas terá dificuldades de esconder suas vulnerabilidades em provável futura denúncia do Ministério Público. Aí, a Inês estará morta. E de nada terá valido ser mártir sem justa causa. Teste para cardíaco, a CPI produziu até agora resultados inesperados para alguns. O pior deles foi escancarar a mentira como nova modalidade de política pública e de governo. Para quem não esquece Deus em suas falas, saravá!

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