Todo agrupamento humano vai, inevitavelmente, conter pessoas que por diferentes razões não se adaptam e ficam à margem do grupo. Nas grandes cidades, por motivos óbvios, o número de indivíduos à margem é consideravelmente maior.
O problema fica particularmente complexo quando esses indivíduos são socialmente excluídos, tornam-se incômodos e, por consequência, são classificados como “indesejáveis”, como é o caso da população em situação de rua que compõe as assim chamadas “cracolândias”.
Aqui cabe lembrar que a situação de exclusão social e miséria se relaciona ao fato dessas pessoas terem sido privadas de acesso à moradia, ao trabalho, à educação e à saúde. Com recursos tão precários, encontram-se vulneráveis e muitos acabam se tornando dependentes de álcool e de outras drogas.
Para o observador externo, o que se faz visível é apenas uma massa amorfa de “molambos” usando crack a céu aberto em espaços públicos. Privados de sua identidade e de sua cidadania passam a ser nomeados de “craqueiros” ou “cracudos”, pelo comportamento de utilizarem uma droga euforizante, talvez a única possibilidade de obterem algum tipo de prazer em suas existências miseráveis.
Criam-se muitas lendas urbanas a respeito desses dependentes. Chamados de “zumbis”, reforçou-se o mito de que a droga é o mal que os levou àquela situação de extrema penúria. Foi desconsiderado um fato cientificamente comprovado de que a grande maioria dos usuários de substâncias, licitas ou ilícitas, não é levada à dependência nem é conduzida, necessariamente, a uma situação de miséria existencial ou exclusão social.
Mas a droga tem sido um ótimo “bode expiatório” para que não tenhamos que olhar para os grandes e complexos problemas por traz da questão. Acirraram-se os discursos proibicionistas e as medidas repressivas.
Isso, aliado a uma legislação ambígua e a políticas públicas higienistas, leva a um verdadeiro genocídio étnico-social, tornando esses “seres indesejáveis” ainda mais miseráveis e agravando assim ainda mais o problema social que os cerca.
Diversas experiências internacionais têm mostrado que o resgate da cidadania é o fator de maior sucesso na abordagem de populações socialmente excluídas. Foi a resposta que encontraram como alternativa ao fracasso dos modelos de intervenção baseados na repressão, tanto policial quanto assistencial.
Se a repressão ao tráfico é algo necessário enquanto medida normativa dentro de um grupo social, a repressão policial tem se ocupado equivocadamente da punição de usuários ou dependentes, não sendo capaz sequer de identificar os verdadeiros traficantes.
No âmbito assistencial, propõem-se medidas restritivas da liberdade, punitivas e afrontosas aos direitos humanos, sob a forma de internações compulsórias ou involuntárias, de eficácia praticamente nula. As intervenções que priorizaram o acesso a moradia, trabalho, educação e saúde, sem exigir a abstinência do uso de substâncias, chegaram a resultados incomparavelmente melhores.
Isto apenas confirmou que a droga não é a vilã, mas apenas a ponta de um iceberg muito mais perigoso. E se não olharmos para o que está mais abaixo, vamos todos afundar.
Dartiu Xavier da Silveira