— Anatólio.
— Quem?
— A-na-tó-lio!
— Conheço não.
— Tem certeza?
— Absoluta!
— Hum… Estranho.
— O que é estranho?
— O senhor já é a quarta pessoa para quem pergunto.
— E pode perguntar pra mais cem, que ninguém vai saber quem é esse Anafóbio.
— Anatólio!
— Que seja!
— Hum…
— Não sabe dizer o que ele faz?
— Joga bola.
— Ih, assim fica difícil, moço.
— Por quê?
— É que metade daqui joga bola, e a outra metade assiste.
— Mas são todos bons de bola?
— Bom, tem um tantão. Mas se o senhor tá falando de craque, aí só tem mesmo o Macarrão.
— Macarrão?
— Não é possível que o senhor não conheça o Macarrão.
— Não.
— Pois deveria.
— E onde posso encontrar esse Macarrão?
— E por que o senhor quer saber onde o Macarrão está?
— Ué, você que disse que eu deveria conhecê-lo.
— Hum… É da polícia?
— Da polícia? Eu?
— Sim. E quem mais poderia de ser?
— Não sou da polícia, meu senhor.
— E quem agarante que não é.
— Sou jornalista.
— Jornalista?
— Sim. Trabalho no Notibras.
— Hum…
— Meu nome é Mathuzalém Júnior.
— Mathu o quê?
— Ma-thu-za-lém.
— Que nome mais engraçado da piula!
— E então?
— Então o quê?
— Como posso conhecer esse Macarrão?
— Venha no domingo que vem. Se o nosso time estiver em apuros, o Macarrão vai aparecer.
Sem ter mais o que dizer, o velho me dispensou com certo olhar de desconfiança. Mesmo assim, não tinha mais o que fazer ali no Sol Nascente e voltei para redação, onde conversei com o Wenceslau Araújo e o Armando Cardoso, meus companheiros de Notibras. Sem alternativa melhor, eles falaram para eu retornar ao local no domingo seguinte para, então, tentar uma entrevista com o suposto maior craque do futebol de várzea do Distrito Federal.
Sábado, quase onze horas da noite, estava tão ansioso, que meus olhos continuvam vidrados. Precisei recorrer a um sonífero, devidamente prescrito por meu psiquiatra. Digo isso para evitar comentários maldosos por parte de algum leitor mais atrevido. Seja como for, no domingo, acordei com o irritante alarme do celular.
Depois de tomar duas xícaras de café solúvel, peguei as chaves do meu Corcel 73 e fui ouvindo “Ouro de tolo”, do saudoso Raul Seixas, até o Sol Nascente, onde os atletas de fim de semana já se preparavam para a tão aguardada partida de futebol. Uma pequena e animada plateia fazia a maior quizumba. Não tardou, avistei o sujeito que havia conversado comigo na semana anterior.
— O senhor veio mesmo!
— Não falei que viria?
— Falou, mas pensei que não fosse aparecer.
— Pois aqui estou, meu amigo.
Soube que o time visitante era do Itapoã. Os atletas pareciam estivadores, tamanha a quantidade de músculos que ostentavam. Já o escrete da casa não ficava atrás. Cada galalau de fazer medo ao próprio Bicho-Papão.
O juiz, não mais de um metro e meio, empertigado igual à camisa engomada, com um sonoro apito, finalmente anunciou o início da peleja. Não tardou, o suor escorria pelas faces e corpos rudes, enquanto, vez ou outra, o sangue esguichava, seja por consequência de um pontapé, seja por uma cotovelada mal-intencionada.
Apesar dos esforços dos dois times, o placar do primeiro tempo permaneceu em branco. Entretanto, logo que iniciou a etapa final, eis que Juca Sarrafo marcou para o Itapoã. Sem perder tempo, o técnico da equipe da casa cochichou algo no ouvido de um moleque magricela, que saiu desembestado do local. Observei aquilo e tive certeza de que, finalmente, iria conhecer o afamado Macarrão.
Os minutos seguintes foram da mais pura expectativa. Meu pescoço já começava a doer, de tanto virar para cá e para lá em busca do craque. Mas nada! Aliás, durante a espera, o Itapoã aumentou o placar, para desespero da torcida, que começava a dar sinais de que algo pior poderia acontecer, caso a peleja terminasse com uma derrota para o time da casa.
Mais alguns instantes, eis que o moleque retornou acompanhado de um sujeito franzino, cujos cambitos pareciam frágeis gravetos. Seria aquele o tal Macarrão? Não demorou, meu questionamento foi respondido com dribles que poderiam ser assinados pelo próprio Garrincha.
Gingada pra cá, gingada pra lá, Macarrão invadiu a área e pimba na chulipa, diminuiu a diferença. Mal o juiz apitou o reinício do jogo, a bola chegou aos pés do gênio, que, apesar de não ter as famosas pernas tortas, entortou quantos marcadores quis e, impetuosamente, chutou entre as pernas do arqueiro, empatando a partida.
O técnico do Itapoã esbravejou com seus atletas. Pediu marcação firme sobre o Macarrão. Pobre escrete visitante. Mas como marcar o imarcável? Impossível que estava naquela bela e ensolarada manhã de domingo, o craque improvável marcou mais um e, antes do apito final, o placar anotava 6 a 2.
Embasbacado, boquiaberto, estupefato que fiquei, corri para o campo a fim de tentar arrancar algumas palavras do dono da bola. Que nada, a polícia estava no local e correu no encalço do Macarrão, que driblou a todos com a desenvoltura que lhe é tão própria. Sumiu no meio da multidão, enquanto eu, ao lado do meu velho companheiro da semana passada, apenas tive tempo de dizer:
— Pois é, meu amigo, você tinha razão. Esse Macarrão é o maior! Nunca vi tão liso assim.
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