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Craque versão made in Brazil com sotaque de fora sabe o que é jogar bola

O helicóptero pousou no campo do jogo e o craque desceu. Pensou em beijar o gramado, mas desistiu, papas é que faziam isso, não reis do football. Viu os jogadores que se aproximavam, boquiabertos. “Acho que querem selfies”, pensou, enquanto o aparelho com suas iniciais gravadas a ouro se elevava do solo.

– Boa tarde, senhores. Querem selfies comigo? – sorriu e pegou o smartphone, caríssimo, de última geração.

Os outros não responderam. Rodearam-no, tentando absorver vibrações do grande jogador. Claro, houve exceções. Alguns, com uma longa folha corrida na polícia antes de descobrir seu talento com a pelota e mudar de rumo, pensaram em retomar a carreira no crime e sequestrá-lo, iam ganhar uma nota preta com o resgate; outros, mais safos, sonharam em ascender à condição de parça, trocar os treinos fatigantes e as porradas durante o jogo pelas mordomias de um baba-ovo profissional. Mas, no momento, ficaram por ali, tocando-o timidamente, melhorando por osmose o seu futebol.

O técnico e um de seus assistentes aproximaram-se.

– Ele tá barrigudo! Não vai correr 20 minutos, quanto mais 90! – lastimou-se o auxiliar.

– Calma, ele tá com o rei na barriga. Isso passa – retrucou o mister, que pensou em seguida:

“Espero que passe com os treinos, antes do jogo. Se não, lascou”.

Os times foram organizados para o treino, o craque recebeu a imortal camisa 10 da equipe. Soaram brados de incentivo:

– Bora, moçada!

– Ialla! En avant!

As duas últimas expressões foram pronunciadas pelo craque. O professor explicou ao bestificado auxiliar:

– Ialla é “vamos” em árabe, “en avant é “avante, adiante”, em francês.

São as línguas dos dois últimos países em que o craque atuou.

Enquanto isso, com um sorriso, o craque se dirigia aos companheiros com mais uma expressão estrangeira, dessa vez espanhola:

– Adelante, senhores. Bela tarde para uma partida de football, o esporte bretão. Que dizem?

Nesse momento, a ficha caiu na cabeça do treinador. Tirou o craque do time, levou-o até o vestiário, reuniu alguns objetos e começou a recordar-lhe os rudimentos do esporte bretão.

– Olha, craque, essa coisa redonda é a bola, ou pelota, ou gorduchinha. O objetivo do jogo – que aqui se chama futebol, fu-te-bol, não football – é lançá-la nas redes daquela estrutura de três paus que tem na frente um goleiro. Cada bola na rede é um gol. Vence o time que marcar mais gols, em 90 minutos ou um pouco mais.

Notou a névoa do esquecimento, provocado por incontáveis comerciais regiamente pagos, começar a dissipar-se na expressão do atleta. Animado, prosseguiu:

– No jogo, você pode cabecear ou chutar. E…

Foi cortado pelo craque, indignado:

– Chutar? Com meus caríssimos sapatos italianos, de design exclusivo? De jeito nenhum!

– Você vai entrar em campo calçando essas coisas – e mostrou-lhe um par de chuteiras. A propósito, quando um jogador da equipe adversária se aproximar, é para fazer falta ou roubar-lhe a bola, não para uma selfie. Com os pés, só o goleiro pode tocar a pelota com as mãos, e mesmo assim apenas no espaço junto ao gol que defende.

A lição prosseguiu, enquanto a tigrada treinava no campo. Por fim, o coach falou:

– Últimas lições. Chame os companheiros de moçada, macacada, fiosdeumaégua, não de senhores. E você tá barrigudo, desse jeito não vai ter fôlego. Tire o rei da barriga.

Sem graça, o craque prometeu que tiraria.

No jogo a vera, o time do craque goleou o adversário. Ele marcou um gol e deu uma assistência. Se a sua mente fora obscurecida pelo dinheiro a rodo, o corpo reagia por música, sabia de cor tudo o que havia feito dele um dos maiores jogadores do mundo. Em resumo, o craque podia ser um novo rico metido a besta, mas jogava pra dedéu.

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