Ludimila Honorato
Algumas crenças podem induzir as mulheres a optar pelo parto cesárea sem, ao menos, considerar o normal. A dor, o medo de ‘passar da hora’ em vez de esperar as contrações, o bebê sentado ou com o cordão umbilical ao redor do pescoço são algumas das questões que circulam tradicionalmente entre as parturientes. Porém, uma boa comunicação e relação de confiança entre médico e paciente podem conduzir a mulher a uma experiência de parto mais do que normal: humanizado.
Uma das primeiras crenças é a de que nem toda mulher é capaz de realizar parto normal, seja por falta de dilatação ou por não aguentar as dores. “Na verdade, a fisiologia da questão do parto tem tudo para dar certo. Essa posição de que, muito provavelmente, uma mulher que engravidou tenha tudo para evoluir e ter parto normal é um fato”, diz o ginecologista e obstetra Alberto Guimarães, criador do programa Parto Sem Medo e autor do livro de mesmo nome.
O especialista diz que se cria uma resistência ao parto normal devido às experiências negativas que algumas mulheres relatam. A realização de episiotomia (corte entre a vagina e o ânus), a aplicação de ocitocina para induzir contrações, rompimento forçado da bolsa amniótica ou constrangimentos não são, segundo Guimarães, ações de um parto normal.
“Parto normal é atender às demandas da mulher, permitir um acompanhante que ela escolher, respeitar se ela pedir analgesia. Ela precisa estar focada no que precisa fazer e entender que a contração é um jeito de o bebê estar mais próximo dela. Pode ser dolorido, mas não precisa ser sofrido”, explica o obstetra que é defensor dos conceitos de parto humanizado.
Dilatação – Guimarães afirma que a falta de dilatação suficiente para a realização de um parto normal existe, mas é “extremamente rara”. “Quando começa a dilatação e contrações regulares, precisa ter dez centímetros para o bebê sair, mas até atingir cinco ou seis demora horas”, diz.
Para que a mulher se sinta à vontade, massagens e banhos podem diminuir a dor e ela deve ficar na posição que quiser. Na hora de o bebê nascer, ela vai sentir vontade de empurrar e não precisa se preocupar em segurar o recém-nascido. Para isso, transmitir segurança é fundamental.
“É preciso estabelecer um vínculo de confiança, o pacto de que nosso papel na área da saúde é ter uma atuação no sentido de garantir a segurança do processo, sem pressa nem relógio”, declara Guimarães.
Situações adversas – A partir do oitavo mês de gestação, o bebê começa a se posicionar com a cabeça para baixo, mas há casos em que ele permanece sentado, o que leva a crer que o parto normal é contraindicado.
O obstetra explica que o parto normal com o bebê sentado foi desaconselhado no mundo inteiro, pois publicações diziam que o recém-nascido poderia ter complicações. No entanto, países como Canadá e Alemanha pedem para que esse tipo de parto volte a ser considerado e que médicos sejam treinados para realizá-lo. “Tem manobras para tirar naturalmente, tem acupuntura e posições sugeridas para a mãe. Essa discussão tem de ser feita com a mulher e o parceiro”, diz o especialista.
Outra situação de possível risco para o bebê é o cordão umbilical ao redor do pescoço, porém, se ele estiver bem, não há problema em realizar o parto normal. “Se [o cordão] estiver apertando, vai menos sangue e oxigênio para o bebê e diminui o batimento cardíaco [dele]. Mas, se o médico perceber que está tudo certo com o batimento, mesmo com o cordão, não há risco”, explica.
O rompimento da bolsa amniótica é um sinal de que o bebê está a caminho, mas não é, necessariamente, alerta de desespero. “Para o bebê nascer, tem de ter contração. Se não tem, não precisa sair correndo para o hospital. Estudos mostram uma tendência de a mulher poder ficar seis horas sem chegar ao hospital [depois que a bolsa estoura]”, afirma Guimarães.
Quando o bebê quiser – Muitas mulheres e médicos consideram que 40 semanas é a data limite para o bebê nascer e que, se passar disso, há riscos. Esse período, porém, é apenas a data provável do parto e pode variar de sete a dez dias, para mais ou para menos, segundo o obstetra. “De 90% a 95% dos trabalhos de parto, a mulher já desencadeou de 40 para 41 semanas”, afirma.
Para o especialista, a hora certa é quando o bebê quiser. E ele dá sinais. “Quando o neném está maduro, ele produz uma substância no pulmão que vai, pelo cordão umbilical, para o sangue materno e vai fazer com que a mãe libere hormônios para entrar em trabalho de parto”, explica o médico.
Além disso, para liberar ocitocina, o chamado hormônio do amor e que ajuda no parto, a mulher precisa estar tranquila. Se ela estiver preocupada, o nível de cortisol (hormônio do estresse) aumenta e dificulta o processo, pois reduz a ocitocina. Por isso, Guimarães ressalta a importância de passar segurança à mulher, ouvir como ela quer que o parto seja realizado e tirar todas as dúvidas possíveis.
Humanização – Segundo Guimarães, levar o bebê para exames ‘urgentes’ assim que nasce é desnecessário. “Se o bebê nasceu vigoroso, tem de ir para o colo da mãe. É dela, devolve para ela. Quando ela abraça e fica, por exemplo, nesse tempo que o cordão continua pulsando, eles estão ligados, e os hormônios de ocitocina vão para a mãe e para o bebê”, diz.
O médico diz que a avaliação do bebê na fase inicial pode ser feita com ele ainda no ventre da mãe, e o teste do pezinho pode ser realizado em até 48 horas após o parto. O médico atenta para exames mais básicos e disponíveis que devem ser feitos no pré-natal, como pesquisa de sífilis.
Mesmo dentro da defesa do parto humanizado, a cesárea não é descartada. “Eu acho que quando a gente deixa muito claro que o parto normal é o mais seguro, e o mundo inteiro vai nessa linha, não está jogando fora a possibilidade de fazer cesárea. Ela é muito necessária e bem-vinda e pode fazer a diferença para o bebê e a mãe”, afirma.
Ainda assim, o procedimento cirúrgico, que é indicado para gestações de alto risco ou quando precisam ser interrompidas, pode seguir um caminho humanizado. “Sala com temperatura boa, dar o bebê para a mãe ainda no cordão. Nesse momento, a gente está investindo no nascimento. Quando tira o foco do parto, normal ou cesárea, e foca no nascimento, ajuda a mulher a entender que ela fez o melhor”, diz o especialista.
Guimarães reforça a necessidade de uma relação de respeito entre médico e paciente. “Tem de cair a ficha que nós [médicos] não estamos aqui para fazer o que queremos, mas olhar o que a mulher está precisando e querendo viver. Estando a mulher e o bebê bem, não tem motivos pra negar [o parto normal]”, afirma. Assim, é preciso conversar, ter confiança e, caso o médico perceba que uma vontade da mulher não é aconselhável, ele deve orientá-la sobre riscos.