Luiz Carlos Merten
Em 1966, François Truffaut realizou uma grande entrevista com o mestre do suspense, que resultou num livro clássico – Le Cinéma Selon (Alfred) Hitchcock, ou, no Brasil, Hitchcock Truffaut. Meio século mais tarde, os diretores Noah Baumbach e Jake Paltrow também fizeram uma longa (30 horas) entrevista com Brian De Palma. Não a converteram em livro, mas em filme, um admirável documentário que estreou nesta quinta-feira, 24, no Brasil. A distribuição de De Palma é da RT, a empresa produtora (e distribuidora) de Rodrigo Teixeira.
De Palma conta tudo, reflete sobre sua carreira e os diretores usam as falas para esmiuçar cenas antológicas de seus filmes. De Palma é cria de Hitchcock. Por mais cinéfilo que seja, e outras influências sejam latentes em seu cinema, a maior é do criador de Um Corpo Que Cai e Psicose. Baumbach e Paltrow não são críticos como Truffaut, mas possuem um olhar analítico. E são rigorosos.
Em Hitchcock Truffaut, o francês se assume como discípulo e é tão tiete que o mestre muitas vezes lhe cobra compostura. Como quando Truffaut tenta supervalorizar coisas que o senso estético de Hitchcock sabe que não saíram tão boas quanto gostaria. De Palma tem um pouco disso. O diretor é extremamente crítico na avaliação do próprio trabalho. Refere-se a alguns de seus grandes filmes como “fracassos”. Como assim?
Talvez porque seja próprio da arte, e do artista, colocar a barra tão alto que o criador toma consciência dos seus limites. É fascinante ver as cenas descontextualizadas, e De Palma refletindo sobre elas. A ducha de Hitchcock, a escadaria de Odessa em Os Intocáveis, o laboratório kubrickiano de Missão Impossível. A violência contra as mulheres. E os acasos, os golpes de sorte. As ajudas – como quando Steven Spielberg lhe sugeriu Kevin Costner para Os Intocáveis. Você vai ver os filmes de De Palma com outros olhos. Talvez veja o cinema, em geral, tal a riqueza (estética, conceitual) dessa verdadeira master Class.