Notibras

Crimes contra a humanidade entram na prateleira da Flip com palavras sérias

Guilherme Sobota, Marília Neustein e Ubiratan Brasil

Um paralelo entre Clarice Lispector e Ana Cristina César. Esse foi o enredo que conduziu a mesa com Benjamin Moser e Heloísa Buarque de Hollanda, no penúltimo dia da 14.ª Festa Literária Internacional de Paraty.

O americano (biógrafo de Clarice) e a crítica literária discorreram sobre semelhanças e diferenças entre as duas escritoras que conseguem ser herméticas e populares ao mesmo tempo, segundo definiu a mediadora, Alice Sant’Anna.

Para Moser, parte do gosto do público pela obra de Clarice vem do fato de ela ser extremamente sincera: “ou toca ou não toca. A escrita dela não pode entrar pela cabeça, tem que ser pelo corpo, coração. É quase uma questão espiritual”.

Já Heloísa acredita que o sucesso de Ana Cristina César se dá pela capacidade de sua obra ser muito íntima. “É uma conversa que chega muito perto. Mesmo sendo retórica, uma armadilha para o leitor, todo mundo cai”, disse ela.

Antes dessa mesa, o público acompanhou atentamente o poeta Leonardo Fróes (cultuado por mais de uma geração de autores de todo o Brasil). Um absurdo completo – foi assim que ele definiu a tragédia/crime ambiental que aconteceu em Mariana (MG), em 2015.

Com uma ligação intrínseca com a terra, que define sua vida e obra, Fróes afirmou que o ocorrido foi um crime não só contra as pessoas, mas contra o planeta e contra os animais da região. “Foi uma tristeza.”

A mineração agressiva foi outra questão que o poeta comentou. “O Brasil está sendo escavado. A noção que eu tenho é que a Terra é um organismo vivo”, afirmou ele, que vive num sítio em Secretário (na região de Petrópolis, RJ) desde os anos 1970. “Sentimos isso de uma forma muito forte quando se trabalha para plantar. Uma enxadada passa uma nítida sensação de cortar.”

Fróes leu diversos poemas, textos curtos que passeiam com lirismo por temas da natureza, do homem e do divino. “Existe uma tradição da poesia ocidental da natureza, muito descritiva, mas esse não é o meu caminho”, afirmou. “Mesmo quando há descrição, nos meus poemas sempre existe um substrato filosófico, considerando a condição humana.” Em 2015, a Azougue lançou Trilha: Poemas 1968-2015, antologia organizada pelo próprio. O livro sugeriu uma nova onda de evidência para a sua poesia.

A poeta Alice Sant’anna, o escritor Benjamin Moser e a crítica literária Heloisa Buarque de Hollanda durante a 14ª Festa Literária Internacional de Paraty, a Flip

A poeta Alice Sant’anna, o escritor Benjamin Moser e a crítica literária Heloisa Buarque de Hollanda durante a 14ª Festa Literária Internacional de Paraty, a Flip

Já a colunista do Estado Adriana Carranca levou, também ontem, seu infantil Malala – A Menina Que Queria ir Para Escola (Companhia das Letras) ao público da Flipinha. A escritora apresentou o livro, que conta a história de Malala Yousafzai – paquistanesa que desafiou o grupo extremista Taleban – a três escolas da região de Paraty.

Na palestra, a jornalista contou de seu histórico de cobertura de guerras em países como Irã, Afeganistão, Paquistão, Congo e Sudão. Ainda lembrou dos anos em que cobriu violência urbana no Brasil. “A dor da mãe que perde um filho em um tiroteio aqui é a mesma dor da mãe que pede um filho em uma guerra”, garantiu, ao relatar sua experiência.

No fim do papo, Adriana mostrou às crianças os tipos de véus que se usam no mundo muçulmano. Com ajuda de uma voluntária da plateia – que vestiu uma burca -, perguntou: “quem está aí embaixo?” “Lorena”, respondeu a menina. “Viu? Não importa o que você veste, você é a Lorena. Estamos acostumadas a ver as mulheres do mundo muçulmano pelo que elas vestem, que são burcas e véus. Mas, por debaixo dessa vestimenta, nos esquecemos que são mulheres como nós”, concluiu.

Sair da versão mobile