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Desgoverno

Crise coloca cultura brasileira no caminho do cemitério

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Chico D’Angelo

Os desdobramentos cada vez mais surpreendentes da crise brasileira não podem nos fazer perder de vista o gravíssimo quadro que se apresenta no campo da gestão pública da cultura.

Em recente entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, o ministro Roberto Freire declarou o seguinte sobre os Pontos de Cultura: “Vamos continuar com os Pontos de Cultura, mas alerto que mudanças serão feitas. Alguns pontos deixaram de ter a cultura como atividade principal e passaram a ter assembleias e conferências para discussões políticas com fins partidários. Queremos retomar seu papel original”.

O ministro, como se vê, aposta na despolitização da cultura e joga no ar uma declaração irresponsável buscando criar um ambiente propício para a desidratação dos Pontos de Cultura. Ao longo de todo o programa, Freire sequer explicou o que entende por cultura, coisa que para ele parece ser apenas sinônimo de evento.

Vale lembrar que ao longo da história republicana, as políticas públicas culturais brasileiras tradicionalmente valorizaram a “alta cultura” como a única frente do que seria uma possível “cultura nacional”. Esta visão elitista e despolitizada só começou a mudar em um processo marcado pelo diálogo com a sociedade civil durante o ministério de Gilberto Gil (2003/2008), caminhando assim para um modelo de gestão compartilhada.

Neste processo, os Pontos de Cultura se destacam como expoentes do protagonismo do novo modelo. Tal mudança parte de uma concepção plural de cultura e as noções de igualdade e totalidade, paulatinamente, dão lugar aos conceitos de diversidade e diferença dentro de nossas políticas culturais.

A gestão do ministro Gilberto Gil formulou uma política pública focada na diversidade cultural e no diálogo com a sociedade civil. A agenda se desvinculava da política cultural determinada por “uma identidade nacional” e colocava em pauta temas como a gestão compartilhada e a transversalidade das políticas públicas culturais.

A política cultural não pode deixar nunca de expressar aspectos essenciais da cultura popular. Até mesmo o papel interventor do Estado se redefine neste processo, não mais a partir do atrasado modelo estatizante, mas na perspectiva de se encarar o poder público como estimulador e defensor de processos orgânicos.

Nesta perspectiva, os Pontos de Cultura não devem ser construídos pelo governo. O foco da gestão não está na ausência ou carência de benefícios, mas sim em um protagonismo social a partir de um modelo de gestão compartilhada.

Os Pontos de Cultura são espaços de manifestações culturais dos grupos e localidades. No sentido mais amplo, são locais abertos às manifestações artísticas e culturais de uma localidade, geridos pelos próprios membros da comunidade, invertem a lógica de que o governo deve criar espaços de práticas culturais e estabelecem que a função deste é a de reconhecer espaços que já são produtores sistemáticos e reconhecidos de cultura.

Ao sugerir que os Pontos de Cultura passem a ser controlados pelo ministério, com o argumento de que eles são politizados em demasia, o ministro mostra a que veio. A sua função é desmobilizar os agentes culturais brasileiros, tirar a autonomia dos territórios que produzem cultura e estrangular um setor que, pelo seu perfil questionador, pode ser uma barreira ao projeto mais amplo do governo Temer: promover o desmonte das políticas sociais e trabalhistas que arduamente o povo brasileiro conquistou.

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