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Cristovam abre o jogo. Massacre da Estrutural foi uma armação suja

Entre uma reunião de Comissão e outra no Senado Federal, intercaladas por passagens pelo Plenário, Cristovam Buarque tenta dar atenção à imprensa. Nem sempre é possível. Sua agenda não dispõe de intervalos desocupados. Mas há assuntos que têm o poder de abrir brechas. O que se refere aos assassinatos na cidade Estrutural durante seu governo, é um desses.

Apesar da correria, Cristovam Buarque achou 30 minutos para dar a sua versão sobre os fatos ocorridos nos anos de 94 a 99. “Lamentável”, reconhece ele. E poderia ter sido diferente, caso houvesse tido “competência” para tratar o caso. Alguns questionamentos e avaliações sobre esses episódios estavam em ebulição na cabeça do senador. Mas ele expõe agora, nesta entrevista exclusiva a Notibras.

O senador admite que foi incompetente para administrar a crise, diz que houve armação (cita Durval Barbosa e Luiz Estevão) e garante que advertiu o hoje governador Rodrigo Rollemberg sobre os riscos de tentar tirar o teto dos trabalhadores.

Veja trechos da entrevista:

O senhor acha que a ação da PM tanto para retirada dos moradores de lá, quanto na Operação Tornado, foi exagerada?
Eu achei. Tanto que na hora chamei o comandante (da PM), o secretário de Segurança Pública e fizemos uma análise do que houve. Eles tentaram dizer que não houve, mas eu acho que sim. Uma polícia realmente competente não cairia nessa cilada criada para agir daquela maneira. Por isso mantenho a suspeita de que ali houve intenção de vingança por conta do policial que foi morto no mesmo local. Acho que teve um pouco ou muito de vingança, o que é intolerável que uma polícia cometa.

Mas o senhor não tinha conhecimento dessa operação desencadeada pela PM do seu governo?
Não chegou para mim dos órgãos, a ideia de que aquilo se repetiria. Não houve uma estratégia. Eu acho que o comando da PM não estava envolvido naquilo. Muita gente desconfia, eu não posso afirmar, que por trás daquilo estava o Durval Barbosa (ele era responsável pela 3ª DP que investigava os crimes na Estrutural). Até porque, como aquilo foi tão filmado? Como foi tão organizado e o filme depois ter sido usado em campanhas contra mim? O PFL (hoje DEM) da época usou esse vídeo no Brasil inteiro dizendo: olha aí como é a polícia do PT. Quem estava por trás daquilo de organizar e filmar? Posso dizer, que por tudo que eu vi, não foi o comando da PM. Muito menos a Secretaria de Segurança.

Então as ações dos PMs foram escondidas?
Eu não posso garantir, absolutamente de forma enfática, mas tenho convicção que o comandante naquele tempo não estava envolvido. Eu acredito que tudo foi feito ao arrepio da linha de comando.

Mas antes desse episódio houve várias operações violentas de retirada de moradores…
Essas eu assumo a responsabilidade. Mas que eu me lembre, não houve exageros. Ao contrário. A gente dialogou muito. Uma parte considerável saiu voluntariamente. Levamos para Planaltina. Criamos uma cidade. Também no Recanto das Emas, mas em Planaltina foi mais. Ao ponto de ter um momento que eles chamaram de “Vila Buarque”. Eu que disse que isso (de usar seu nome na região) era só depois de eu morto. Então tiramos algumas pessoas voluntariamente.

Por que?
Por que se organizou, no dia seguinte da minha eleição (em 1994), por lideranças políticas, entre as quais Luiz Estevão, a construção de barracos naquele lugar (Estrutural). Criou-se uma coisa chamada de “kit-invasão”. Eles davam uma quantidade de madeira, pregos para que as pessoas invadissem ali para criar um constrangimento, um problema. Ali não era um lugar para se construir moradias. Eu zelei muito pelo Plano (Piloto). Ali era para ser, ou uma área florestal, ou setor industrial.

Mas foi esse um grande questionamento na época. Por que tirar famílias, casas, e deixar indústrias?
Por uma maneira muito simples. Na indústria, as pessoas vão para a casa. Não há uma ocupação. Não há dejetos humanos, não há as condições trágicas de moradia e não criaria a conturbação que estão criando entre o Plano Piloto e Taguatinga, como se as cidades fossem uma coisa só. O sonho do DF era de que não tivesse essa conturbação como existe em São Paulo, no Rio de Janeiro, em Recife. A cidade inteira vai se juntando uma a outra.

E qual era o objetivo para aquela área?
Era para ser uma área industrial porque cria empregos, dinamiza a economia por pagar imposto e porque não ocupa o solo com a mesma densidade demográfica de habitação. Você tem 200 operários indo pela manhã e saindo a noite. Agora, se tira a indústria, no lugar de 200 teremos 2 mil pessoas morando. Ali não era lugar de moradia. Mas hoje eu já defendo que continue. Não tem mais jeito de tirar a Estrutural. Venceu a ideia de habitação sobre a indústria.

Então assume a condução das operações de retiradas dos barracos na Estrutural?
Isso eu assumo. Não era lugar para ter moradia. Isso era no Recanto das Emas, para onde eu levei algumas pessoas. A ideia era levar todos. O problema que essa máquina de invasão que foi criada é muito forte. Tão forte que a gente tirava e aparecia mais. A verdade é que no final entregou-se os pontos. A autoridade, eu no caso, e as outras que vieram entregaram os pontos.

Mas hoje, numa nova avaliação, o senhor não acha que exagerou em alguns pontos como fazer valas, cercar a cidade com arames, não deixar entrar alimentos para abastecer os mercados locais?
Isso de não entrar alimento eu não me lembro. Os direitos humanos não deixariam. Nem o Ministério Público. Cercar eu já me lembro. Não tinha outro jeito. Era cercar para evitar a entrada e não para sair. E para não entrarem com carregamentos de “kit-invasão”. Tinha que ter uma ordem. Agora de impedir de entrar alimento, não. Mas teve um momento em que precisamos cercar.

Mas conversamos com donos de mercados e moradores que confirmaram isso…
Confesso que não tenho conhecimento disso e essa ordem não haveria. Isso seria um campo de concentração.

O senhor esteve na Estrutural durante a campanha de 1994 e prometeu que a cidade ficaria lá? Se sim, por que mudou de ideia depois que assumiu o mandato?
Em 1994 não existia a Estrutural. O que existia era uma antiga região com 520 moradores. Essa aí deveria continuar. E essa eu fui lá e disse que eles tinham que continuar. Mas os que estavam lá há 20 anos. E não os 15, 20 mil.

Então não houve uma traição, como alguns acreditam?
Não. Eu protegi e defendi. E eu gravei um vídeo dizendo que eles tinham que ficar. Mas não os 20 mil moradores que chegaram depois. Eram 520 que não afetavam o solo e nem atrapalhariam a indústria.

O senhor recebeu pressão do Sinduscon na época, como afirma o ex-deputado Zé Edmar?
Nunca aceitei pressão dessas pessoas. Até porque eles não se beneficiaram, pois não seria lugar de habitação. O Sinduscon, na verdade, quer é invasão para depois criar casas de classe média. Essa entidade é ligada ao Luiz Estevão.

O senhor entrou com uma ação contra o Zé Edmar por danos morais?
Sim. Mas eu não sei os detalhes porque é o meu advogado que cuida dessas coisas. E ganhamos.

É fato também que pediu para o Zé Edmar desativar o Museu do Sangue, para que não ligassem esse museu ao seu nome e, em troca, a indenização seria perdoada?
Não.

O Zé Edmar disse que sim…
Não sei. Não é comigo. Todo ato que eu entrei contra Roriz, Zé Edmar e outros, meu advogado (Claudismar Zupiroli) é quem faz e fica com o dinheiro. Eu não recebo um real. A indenização recente, do Luiz Estevão que pagou 100 mil reais, foi toda para ele. Mas eu não fiz nenhum acordo com o Zé Edmar. Aliás, ele me procurou para que eu conversasse com o advogado para não cobrar, que ele está pobre, aí eu liguei para o advogado e pedi: fale com ele.

Mas pode ter ocorrido sem o seu conhecimento alguma conversa do Zupiroli nesse sentido?
Sem me consultar? O que ele ganharia com isso? Só perderia dinheiro…

Alguns remanescentes desses conflitos, incluindo o Zé Edmar, acreditam que o senhor deveria responder junto com os 12 PMs. Como o senhor avalia essa posição?
Não vou emitir juízo sobre isso. É a opinião deles.

Está arrependido de ter autorizado operações de retiradas na Estrutural?
Reconheço que foi um episódio triste. Até porque foi usado contra mim de maneira vergonhosa por gente que eu tenho boa relação. Foi um episódio lamentável que aconteceu no meu governo como outros que aconteceram, como a greve de professores. A maneira como administramos a questão da Estrutural. Depois da campanha (de 2014), eu estive com o governador eleito Rodrigo Rollemberg e tirei do bolso um papel dizendo os erros que eu cometi durante o meu governo. Um deles foi a maneira como administramos a questão da Estrutural.

O senhor acha que a situação da Estrutural foi usada como interesses eleitoreiros?
O Zé Edmar tinha uma boa intenção. Lá atrás, com a igreja católica, ele lutava pela habitação. Tanto que ele me trouxe um projeto de colocar a indústria ao redor e a população no meio que eu até simpatizei. Mas quando o projeto foi analisado por pessoas do setor, disseram que era inviável. Mas o Luiz Estevão queria criar conflitos com o governo. É uma pena que tenha ocorrido no meu governo.

Depois dos episódios da sua gestão, o senhor esteve na Estrutural. Como agiu para tentar um novo contato com a população e até uma reaproximação amigável?
Houve o interesse do PDT de indicar o Secretário de Educação e eu, pessoalmente, o administrador da Estrutural quando o Agnelo foi eleito. E ele disse que sim. O Wilmar Lacerda, então, construiu um nome lá ouvindo o irmão da Marlene Mendes (líder comunitária na cidade) e se eu não me engano era até o nome que seria indicado (ele fala do Elias, morto três anos atrás, em decorrência de problemas reais depois de sofrer violência policial durante a gestão de Cristovam). Mas o Agnelo preferiu nomear a mulher do Roberto Policarpo. Isso eu não perdoo.

Por que tentou essa aproximação? Não seria arrependimento?
Porque por mais que eu tenha agido certo em dizer que ali não era um lugar de moradia, eu me sinto em dívida com a população. Com o Rodrigo Rollemberg repeti a mesma coisa. Tentei indicar e nada. São duas coisas que me incomodam entre o Agnelo e Rollemberg. Mas não é uma dívida pelo massacre, porque isso é dos réus, mas como nós tratamos o assunto. A maneira não foi conduzida com competência e habilidade que deveria.

Mas, de quem foi essa incompetência?
Minha.

Elton Santos

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