'Culpa desses esquerdistas'
Críticos da maconha bebem, mulher apanha, carro bate e IML abre
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emTeobaldo, Onofre e Adalberto, amigos de longa data, costumavam se reunir no bar da esquina. E, entre uma cerveja e outra, surgiu o assunto do momento.
— Vocês viram?
— O quê?
— O STF descriminalizou a maconha.
— Que absurdo!
— Os maconheiros vão dominar o mundo.
— Estamos perdidos. O que será dos nossos filhos e netos?
— Agora vai ficar todo mundo doidão.
— Isso é culpa da Madonna!
— É verdade! Uma pouca vergonha!
— O Brasil está perdido!
— A quem interessa a liberação da maconha?
— Ah, não vou aceitar esses drogados fumando na minha frente. Vou meter bala!
— Isso é culpa desses esquerdistas.
— Bando de maconheiros!
O bate-papo prosseguiu até que a noite já não era nenhuma criança. Cansados de repetir os mesmos impropérios, despediram-se e cada um tomou seu rumo.
Teobaldo, que morava perto, caminhou até seu apartamento. Mal entrou, esbarrou no jarro ao lado, que se espatifou no chão. Com o barulho, Solange, a esposa, acordou assustada. Ladrão?
O homem proferiu um palavrão, o que acabou por tranquilizar Solange. Era apenas o Teobaldo chegando mais uma vez bêbado em casa. Ela se levantou e se deparou com os cacos no chão. Quis juntá-los, mas foi impedida pelo marido.
— Deixa isso aí, mulher!
— Alguém pode se machucar, Teo.
— Que se machucar o quê! Tô mandando você deixar essa porcaria aí.
Solange, vassoura e pá na mão, começou a juntar os pedaços do jarro, quando recebeu um safanão no rosto. Ela perdeu o equilíbrio e tombou sobre a televisão. Foi aquele barulho. Parece que algum vizinho ligou para a polícia.
Onofre, ao volante do seu possante Celta, não percebeu quando ultrapassou o sinal vermelho e colidiu com um outro veículo. Por sorte, o homem teve apenas escoriações leves. Por azar, o motorista e a passageira do outro veículo morreram. Maior azar ainda é que, ao tentar se evadir do local, uma viatura estava passando justamente naquela hora.
Por coincidência, Teobaldo e Onofre foram conduzidos para a mesma delegacia. Cheios de razão, esbravejaram. Não adiantou. Aliás, até piorou a situação daqueles dois.
— Vocês deveriam prender bandido!
— Não sou maconheiro! Sou cidadão de bem!
Enquanto os amigos dividiam a cela esperando pela audiência de custódia, Adalberto estava em casa. Sem sono, bebeu mais um pouco até que o corpo não aguentou e ele se deitou no sofá. Não acordou mais. Dessa vez, a cirrose o pegou pra valer.
*Eduardo Martínez é autor do livro “57 Contos e Crônicas por um Autor muito Velho”.
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