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'Culpa desses esquerdistas'

Críticos da maconha bebem, mulher apanha, carro bate e IML abre

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Autor/Imagem:
Eduardo Martínez - Foto Produção Irene Araújo

Teobaldo, Onofre e Adalberto, amigos de longa data, costumavam se reunir no bar da esquina. E, entre uma cerveja e outra, surgiu o assunto do momento.

— Vocês viram?

— O quê?

— O STF descriminalizou a maconha.

— Que absurdo!

— Os maconheiros vão dominar o mundo.

— Estamos perdidos. O que será dos nossos filhos e netos?

— Agora vai ficar todo mundo doidão.

— Isso é culpa da Madonna!

— É verdade! Uma pouca vergonha!

— O Brasil está perdido!

— A quem interessa a liberação da maconha?

— Ah, não vou aceitar esses drogados fumando na minha frente. Vou meter bala!

— Isso é culpa desses esquerdistas.

— Bando de maconheiros!

O bate-papo prosseguiu até que a noite já não era nenhuma criança. Cansados de repetir os mesmos impropérios, despediram-se e cada um tomou seu rumo.

Teobaldo, que morava perto, caminhou até seu apartamento. Mal entrou, esbarrou no jarro ao lado, que se espatifou no chão. Com o barulho, Solange, a esposa, acordou assustada. Ladrão?

O homem proferiu um palavrão, o que acabou por tranquilizar Solange. Era apenas o Teobaldo chegando mais uma vez bêbado em casa. Ela se levantou e se deparou com os cacos no chão. Quis juntá-los, mas foi impedida pelo marido.

— Deixa isso aí, mulher!

— Alguém pode se machucar, Teo.

— Que se machucar o quê! Tô mandando você deixar essa porcaria aí.

Solange, vassoura e pá na mão, começou a juntar os pedaços do jarro, quando recebeu um safanão no rosto. Ela perdeu o equilíbrio e tombou sobre a televisão. Foi aquele barulho. Parece que algum vizinho ligou para a polícia.

Onofre, ao volante do seu possante Celta, não percebeu quando ultrapassou o sinal vermelho e colidiu com um outro veículo. Por sorte, o homem teve apenas escoriações leves. Por azar, o motorista e a passageira do outro veículo morreram. Maior azar ainda é que, ao tentar se evadir do local, uma viatura estava passando justamente naquela hora.

Por coincidência, Teobaldo e Onofre foram conduzidos para a mesma delegacia. Cheios de razão, esbravejaram. Não adiantou. Aliás, até piorou a situação daqueles dois.

— Vocês deveriam prender bandido!

— Não sou maconheiro! Sou cidadão de bem!

Enquanto os amigos dividiam a cela esperando pela audiência de custódia, Adalberto estava em casa. Sem sono, bebeu mais um pouco até que o corpo não aguentou e ele se deitou no sofá. Não acordou mais. Dessa vez, a cirrose o pegou pra valer.

*Eduardo Martínez é autor do livro “57 Contos e Crônicas por um Autor muito Velho”.

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