Ação entre amigos
Cultura da corrupção toma conta da cultura de Brasília
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emBrasília, com seus traços amplos e modernos idealizados por Niemeyer e sua utopia de ser o centro das decisões políticas, há tempos carrega um outro título que lhe pesa: a capital da corrupção. Essa mancha moral, que insiste em permear as estruturas da cidade, contamina não apenas as instituições, mas também as relações culturais e sociais que emergem desse contexto.
Por que Brasília, um símbolo de esperança nacional quando fundada, tornou-se tão associada ao desvio de recursos e práticas corruptas? Talvez a resposta esteja na confluência de poderes que habitam a cidade. Aqui, decisões que afetam milhões de brasileiros são tomadas, muitas vezes à sombra de interesses privados.
Nas rodas culturais e nos bastidores artísticos da capital, também se nota uma contaminação pelo ethos político predominantemente. Projetos artísticos muitas vezes são beneficiados por apadrinhamentos ou esquemas de favorecimento. Incentivos à cultura, que deveriam democratizar o acesso e valorizar a produção local, por vezes são usados como moeda de troca para interesses eleitorais de quem perdeu a última mas sonha em vencer a próxima.
O reflexo disso se vê no imaginário coletivo: Brasília não é mais apenas o berço da MPB dos anos 80, com bandas como Legião Urbana e Plebe Rude. Tornou-se palco de um espetáculo muito mais sombrio, onde predomina o jogo de influência. Muitos jovens artistas da cidade enfrentam barreiras que vão além do talento ou esforço. Há uma panela no fogão para esquentar projetos de amigos, e uma outra, furada, que deixa muita gente a ver navios (barcos que sejam) no Paranoá.
Ainda assim, entre os escombros desse cenário, surgem iniciativas independentes que resistem à lógica perversa da corrupção. Coletivos culturais, artistas de rua e projetos comunitários buscam mostrar Brasília como um centro de cultura genuíno e diverso. Lutam para que a cidade volte a ser lembrada por suas raízes criativas, e não apenas por espetáculos de um fundo cultural que só serve para beneficiar amigos e seus projetos de dois milhões de reais.
A transformação dessa realidade exige mais do que indignação. É ação precisa — do cidadão que fiscaliza, do artista que denuncia, do jovem que recusa a perpetuação de práticas corruptas e do Ministério Público de Contas, que precisa tirar do palco os palhaços que riem com o erário. Brasília, afinal, ainda carrega em si o potencial de ser o símbolo de um Brasil melhor. Basta que seus habitantes lutem contra a cultura da corrupção e resgatem o que de mais valores a capital pode oferecer.