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Desmatamento liberado

Cúpula do Clima pode virar novo mico para o mito

Publicado

Autor/Imagem:
Wenceslau Araújo*

Na véspera da Cúpula do Clima, os números brasileiros sobre meio ambiente são tão preocupantes como alarmantes. Mesmo para os leigos, a constatação é de que nem Jesus conseguirá salvar o Messias da catastrófica participação no evento patrocinado pelo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden. As inverdades e as bravatas contidas na carta enviada semana passada ao governo norte-americano certamente serão repetidas durante o encontro. Isolado do mundo por causa do despreparo no combate à pandemia da Covid-19, desacreditado na comunidade internacional e alijado de todo tipo de negociação séria, o Brasil, se mantiver as mentiras, correrá o mais óbvio risco de ser emparedado publicamente e sem direito a uma terceira chance. Se eleger e, apesar dos pesares, permanecer tanto tempo no poder foram as duas primeiras.

De modo mais didático, pode ser um dos maiores micos do mito desde o início de sua administração, muito maior do que todas as gafes cometidas durante as numerosas viagens ao redor do planeta e, talvez, somente superado pela famigerada “gripezinha”, que já custou à nação mais de 14 milhões de doentes e quase 400 mil mortes. O provável vexame se desenha em decorrência da dificuldade de escamotear números globalizados, boa parte deles já incluída em alentados relatórios de todos os líderes convidados por Biden. Para ilustrar a situação, informações do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) revelam que, nos primeiros anos do governo Bolsonaro, o país registrou dois dos maiores índices de focos de incêndios florestais na última década.

Foram 197,6 mil em 2019 e 222,8 mil (o mais alto do período) em 2020. Normalmente na contramão dos fatos, o presidente brasileiro jamais teria a coragem – na verdade a humildade – de pedir ajuda aos mais ricos informando, por exemplo, que o desmatamento da Amazônia registrou mês passado o pior março em dez anos, alcançando 810 km², algo como o território de Goiás. Se isso não é muito, temos de pedir aos céus para conter a boiada, antes que ela passe toda, como é desejo do ideológico ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Para sorte de todos, principalmente dos participantes brasileiros, a reunião de amanhã (21) e quinta-feira (22) será virtual, isto é, pelo menos a suposta ruborização dos escamoteadores passará desapercebida.

Independentemente das razões que geraram dúvidas, preocupações e necessidade mundial de proteção da Amazônia, onde nem mesmo o período chuvoso reduz o espírito destruidor dos criminosos madeireiros ilegais, a maioria escorada nos olhos vendados do governo federal e de seus órgãos fiscalizadores, entre eles o Ibama. Em parte, a exceção fica por conta da Polícia Federal, que, semana passada, fez a maior apreensão da história, mas perdeu o superintendente, cujo único crime foi agir em conformidade com a lei nacional. É essa a razão do estágio quase pandêmico da região desde o início dessa gestão. Tudo isso depois de cinco anos desempenhando papel-chave no histórico pacto global, assinado por mais de 190 países para combater mudanças climáticas.

Sem recursos e cada vez mais distantes dos compromissos assumidos na 21ª. Conferência do Clima ([CC1] COP21), em Paris, vivemos hoje o reverso da moeda, com a imagem arranhada por desmatamentos recordes altas de emissões de gases. Com base em dados do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG), a taxa de desmatamento da maior floresta tropical do mundo em 2020, de 11.088 km², é 70% maior do que a média da década anterior (6,5mil km²). Pior é que essas queimadas foram responsáveis por 72% das emissões do Brasil em 2019. Na carta a Biden, Jair Bolsonaro pede din din para combater o desmatamento que sempre negou.

Parece mais um equívoco, na medida em que o vice Hamilton Mourão, durante entrevista nessa segunda-feira, contradisse enfaticamente o presidente ao afirmar que o Brasil não deve se comportar como mendigo. Deixou claro que o governo deve fazer sua parte no enfrentamento à ilegalidade, como determinado pelo Acordo de Paris, negado inicialmente pelo mestre Donald Trump e, depois, pelo discípulo Jair Messias. Nada disso será surpresa para o anfitrião virtual do evento. Assim como o mandatário brasileiro não reservou dinheiro para combater a pandemia da Covid-19, Joe Biden conhece as bravatas e sabe que, nesses tempos de negacionismo, nunca foi investido um mil réis para manter a Amazônia livre dos mercenários e ávidos madeireiros e garimpeiros que atuam livremente e com alvará federal.

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