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Lá em Foz...

Da aurora à madrugada, o frevo se mantém vivo, distante, morando em mim

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João Zisman - Foto Acervo Pessoal

Quem já foi, nunca deixa de ser. O carnaval mora na gente, como um frevo entranhado na alma, feito brasa que pode até parecer adormecida, mas nunca se apaga. Eu que o diga, um pernambucano que deixou Recife há mais de três décadas, mas que nunca conseguiu — nem quis — deixar o frevo para trás.

A saudade aperta nesta época. O coração se aperta junto. Porque o carnaval de Pernambuco não é só uma festa; é um estado de espírito. Não importa onde eu esteja — seja na Brasília dos últimos 32 anos, seja agora em Foz do Iguaçu —, quando os primeiros acordes de Vassourinhas ecoam, alguma coisa dentro de mim se reaviva. O corpo já não obedece como antes, é verdade, mas a memória dança sozinha, puxando um passo invisível que resiste ao tempo.

Pernambuco sabe fazer carnaval como poucos. No Clube Português, nos antigos bailes onde se misturavam as fantasias, as marchinhas e aquela animação quase ritualística. Nas ladeiras de Olinda, onde o suor da multidão se mistura ao sabor da cerveja gelada e ao frescor adocicado que explode no ar em jatos breves, deixando um rastro efêmero de euforia. No Recife Velho de Guerra, onde o Galo da Madrugada ergue o estandarte e arrasta, num transe coletivo, milhares de foliões que parecem movidos por um motor invisível: a paixão pelo frevo.

E se tem algo que diferencia nosso carnaval, é essa mistura que iguala todo mundo. A aristocracia do Recife se rende ao povão. O doutor e o ambulante, o turista e o brincante, o cabra do sertão e o menino do subúrbio — todos viram uma massa só, dançando no mesmo compasso frenético, com os pés queimando o chão quente ao ritmo do trombone e da orquestra. Não há trio elétrico que chegue perto dessa vibração.

Mas confesso: perdi o ímpeto carnavalesco. Não sou mais de me jogar na folia como antes, talvez porque o tempo nos ensine outros prazeres, outras formas de celebrar. Mas a essência ficou. E se hoje o João Zisman que escreve de Foz do Iguaçu já não sobe e desce as ladeiras de Olinda, o menino pernambucano que habita em mim ainda sente o arrepio quando escuta os metais do frevo. Ainda vê, nos olhos da memória, o colorido das sombrinhas rodando no ar e o suor escorrendo na testa de quem dança.

E talvez seja por isso que me chamou a atenção o Carnaval da Aurora à Madrugada de Foz do Iguaçu. O nome já carrega a promessa de festa sem fim, daquela energia que só o verdadeiro espírito carnavalesco consegue produzir. Mas mais do que um nome, o Carnaval da Aurora à Madrugada se consolidará como o grande marco da folia iguaçuense. Com sua identidade própria, sua vibração e seu povo animado, Foz mostra que tem tudo para fazer história no calendário carnavalesco.

E que grata surpresa foi descobrir que Foz também sabe celebrar! Aqui, a cidade se veste de cores, a música invade as ruas e o povo se entrega à festa com entusiasmo genuíno. Já não é apenas um evento que observo de longe — é agora, também, o meu carnaval. É onde vejo a mesma essência de celebração que me marcou desde menino, onde a cultura se manifesta em dança, música e encontro.

Porque o frevo, meu amigo, não é só uma dança. É uma marca de pertencimento. É um elo que nem a distância, nem o tempo, nem a idade conseguem romper. O carnaval pode ter ficado lá atrás, mas o Recife continua aqui dentro. E sempre que fevereiro chega, eu fecho os olhos e volto. Nem que seja só por um instante, só por uma nota, só por um passo invisível que só eu vejo — e que ninguém nunca vai conseguir me tirar.

Agora, entre as lembranças do passado e a alegria do presente, celebro o frevo que ainda dança em mim e o samba que me acolhe em Foz. Afinal, quando o carnaval chega, pouco importa onde estamos. O que importa é que ele sempre encontra um jeito de nos levar.

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