Da vida pária às minas, e ela, nas esquinas, ficou levando grana de otários

Mergulhado na tristeza, mina, lembro de ti e do teu impacto em minha vida de ferrado, minha pobre vida pária. Sei que me amaste como não amaste a nenhum outro, como nunca poderás amar.

Quanto a mim, não gosto desse verbo, mina é pra explorar, não amar, mas sim, também te amei.

Nosso transetê começou quando driblavas a pobreza na casa de pensão. Foi nossa fase mais feliz. Levavas-me para teu quarto sem fazer barulho e transávamos a noite toda, abafando barulhinhos gostosos, para não dar muita bandeira. Mas acho que a dona da pensão sabia. E não ligava, dava a maior força ao casal jovem e apaixonado.

O tempo passou e te lançaste na vida, decidiste usar tua beleza pra ganhar dinheiro fácil. Fiz algo semelhante, fui garimpar as minas. Mas nunca te perdi de vista, sei que pegas, displicente, a grana dos otários com a patinha, como um gato que brinca com um rato antes de comê-lo.

É hora de um balanço, mina. Nada tenho a agradecer-te, jogamos mano a mano, taco a taco, deu empate. Não me importa o que fizeste, o que fazes, o que farás. Os favores recebidos, creio haver pago todos eles, e se alguma dividazinha de nada esqueci por descuido, joga na conta do otário a teu lado. Ele vai pagar sem perceber e, de qualquer modo, não vai reclamar, sem coragem de me encarar. Digo isso, me conheces bem, com a minha habitual pose de bacana, um sorriso atrevido no rosto, mas com o coração sangrando.

Só que o tempo, mina, é uma pantera. Hoje, tens sempre um senhor que te sustenta, permitindo-te dar vida mansa a gigolôs milongueiros. Mas amanhã, quando estiveres caindo aos pedaços, se precisares de um auxílio, se necessitares de um conselho, lembra-te deste parceiro disposto a arriscar tudo para ajudar-te. Quer dizer, tudo, menos grana.

Dinheiro nem a pau, Juvenal.

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*Conto inspirado pelo tango Mano a mano.