Leitor e vendedor sistemático das ideias do escritor moçambicano Mia Couto, lembro de uma profética frase do autor: o bom do caminho é haver volta. Pois é o que estamos experimentando no Brasil pós-Bolsonaro, mito para uma minoria destemperada e fraude para a maioria esperançosa. Sem entrar no mérito e considerando as voltas do mundo, o que se vê é que os garantistas e punitivistas viraram vidraça. O tempo assumiu a posse da razão muito mais rápido do que imaginavam gregos, bolsonaristas, troianos, petistas e até aprendizes de terroristas. Os ventos mudaram e começaram a soprar contra aqueles que há quatro anos juravam que a mamata havia acabado.
O tema é recorrente, mas permanecerá palpitante até que os falsos profetas estejam devidamente recolhidos. É a crônica anunciada de um governante que nunca soube conjugar o verbo governar. Por isso, poucos acreditavam na retórica do presidente que deixou o país à beira do caos. Eleitor sem traumas ou sonhos ideológicos, desde jovem voto pelo bem do Brasil. Daí, a razão de minha ojeriza ao radicalismo da direita controlada pela seita bolsonarista, cuja determinação obscena sempre foi a destruição da Pátria que tanto dizem amar.
A prova foi a barbárie do fatídico e inesquecível domingo, 8 de janeiro, quando os “patriotas” literalmente defecaram nos símbolos mais caros da República. Trágico não fosse cômico, nada de estranho para uma turba que há quatro anos ejacula na gravata ao, deliberadamente, borrar e macular a imagem interna e externa do país. Lamentável perceber que o fim de um presidente que odiou ostensivamente é ser odiado e esculhambado publicamente. Não acredito no fim da direita mais conservadora.
No entanto, difícil imaginar que Bolsonaro consiga manter os anéis e os dedos após o vampirismo dos vândalos golpistas que ele mesmo criou. Além de um tiro nos dois pés, a destruição na Praça dos Três Poderes ainda deve gerar resultados rocambolescos. O principal deles parece estar estabelecido: o fim da era Jair Messias Bolsonaro. Depois de ficar sem a cadeira que acreditou perpétua, corre o risco de perder a história para tentar manter a “vida”. O mínimo que pode lhe sobrar é a inelegibilidade. O máximo, o esquecimento do eleitor que, assim como o Exército nacional, uma dia achou que era seu.
Para sorte do Brasil e dos brasileiros, o despreparo do ex-presidente é hereditário. Seus seguidores são tão como, isto é, tão despreparados que parecem não ter pensado que estavam quebrando bens que também são seus. Depredaram o Planalto, o Congresso e o Supremo, mas deixaram mais do que rastros. Produziram provas contra si e, assim como as dez digitais de Jair Messias, deixaram seus DNAs cravados no Di Cavalcanti esfaqueado, no Portinari sujo de bosta, nas armas surrupiadas da Presidência e no roubo de peças raras dos poderes.
Vandalizaram, surrupiaram, golpearam, mas não conseguiram calar a voz do povo, tampouco minar a democracia. As instituições continuam funcionando e, para o ódio dos terroristas, Luiz Inácio é o presidente da República até dezembro de 2026. Se nada mudar, talvez até 2030. Em menos de dez dias no cargo, Lula venceu o golpe de Estado e agora, depois de uma troca de generais, parece ter assumido, de fato e de direito, o posto de comandante supremo das Forças Armadas. Depois do gol, é só correr para o abraço.
*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978