Danilo herdara a profissão do avô, afamado caixeiro-viajante, a despeito das súplicas da avó, que sofrera com a ausência do marido por longos períodos. A mãe nem tentou dissuadir o rapaz, pois sabia que ele era cabeça-dura. O pai, que ganhara a vida na pequena venda da família, também não entrou nessa pendenga, ainda mais porque sempre desejou dar fim àquilo tudo e se mandar para o interior. Acabou morrendo antes do previsto, deixando apenas dívidas para o único herdeiro.
Sem muitas opções, Danilo se fez empregado da firma Joaquim & Manuel Almeida Ltda, que vendia seus produtos para todas as cidades do interior, além de algumas tantas outras fora do estado. O rapaz negociou a força e o entusiasmo próprios da juventude com aquela empresa e, não tardou, angariou uma clientela de fazer inveja aos seus colegas de profissão, mesmo aos mais tarimbados, como bem se via no Aristides, com seus quase 60, sendo mais da metade no ofício.
O jovem logo percebeu que sua aparência poderia lhe ser útil. Não que fosse tão belo, mas ganhava de braçadas dos demais, já carcomidos por elevadas quilometragens. Tanto é que, quando atendia uma comerciante, as vendas eram bem acima do previsto. Até mesmo se o cliente era do sexo masculino, o gajo não fazia feio, ainda mais se o comerciante fosse casado, pois as esposas se encantavam por aquele sorriso de dentes alvos e alinhados. Dessa forma, elas acabavam convencendo o marido a comprar além do necessário, tamanha que era a competência do rapazola.
Cheio de histórias por causa de tantas viagens, aqui vale abrir um parêntese e contar uma das mais conhecidas, que ainda pulula nas melhores casas de fofoca da região. É provável que um ponto aqui, outro ali e, quiçá, até mesmo algum acolá, tenha sido aumentado ou, pode ser, suprimido. Afinal, há reputações e reputações, que precisam ser preservadas ou, dependendo do caso, expostas com certa dose de maldade.
Antes que me esqueça, é bom lembrar que essa história se passou em agosto de 1958, quando o país ainda comemorava a conquista da Copa na Suécia. Nessa época, talvez por causa daquele ritmo frenético há pouco chegado dos Estados Unidos, ousados rapazes e moças se dividiam em imitar e se apaixonar por Elvis Presley. Danilo, apesar de alheio a tais eventos, não deixou de perceber que poderia conseguir alguns trocados vendendo bugigangas das mais variadas.
Pois bem, esperto como ele só, Danilo comprou várias camisas do vitorioso escrete brasileiro. Vendeu centenas e mais centenas para crédulos torcedores, crentes que estavam adquirindo o uniforme vestido pelos craques do selecionado. Só do Pelé, o rapaz vendeu quase 200 camisas.
E lá estava o nosso vendedor com uma camisa 7 nas mãos. Gritava a plenos pulmões que aquele era o famoso manto usado por Garrincha na final. De tanta gente querente comprar aquela relíquia, Danilo decidiu promover um leilão ali mesmo na praça: “Quem dá mais? Quem dá mais?”
Tudo corria muito bem. Danilo estava certo de que logo encheria ainda mais o alforje com notas graúdas, até que, por uma dessas distrações, ele acabou sendo descoberto por um cliente mais atento.
– Meu rapaz, essa camisa é mesmo a que o Garrincha usou na Copa?
– Exatamente, meu senhor! O próprio Garrincha me entregou essa belezura. E ela ainda guarda o suor do nosso Anjo das Pernas Tortas!
– Estranho, pois, até onde me consta, o Garrincha não usou a 7, mas a 16.
Não se sabe ao certo o que aconteceu em seguida. Há os que afirmam que Danilo levou uma baita surra da multidão. Outros, no entanto, dizem que ele conseguiu fugir daquela cidade graças às pernas ligeiras.
Também já ouvi outras versões sobre o desfecho desse causo. A que mais gosto é a que afirma que Danilo, cansado de correr de possíveis clientes insatisfeitos, acabou se enveredando para a política. Dizem até que chegou a prefeito de uma famosa cidade mineira localizada na Zona da Mata. Será?