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Literatura

De Aleppo para a vida, uma história contada por Nujeen

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Maria Fernanda Rodrigues

Não se sabe ao certo o que aconteceu com o n.º 19 da Rua George al-Aswad, no bairro curdo de Sheikh Maqsoud, noroeste de Alepo. E não dava para prever quando a revolução se transformou em guerra, quando bombas começaram a cair sobre prédios, escolas e hospitais e quando armas químicas começaram a matar civis. Mas uma coisa era certa: assim que cabeças passaram a ser expostas em praça pública e que exterminar famílias dentro de casa virou praxe, era hora de partir.

Foi o que fez, em 2012, a família Mustafa, sírios de origem curda, que vivia feliz no tal prédio da maior cidade da Síria. No micro-ônibus arranjado para tirá-los de Alepo, alguns poucos pertences, afinal, a ideia era voltar logo para casa. A filha mais nova, Nujeen, 13 anos, foi reclamando porque não queria viver de novo em Manbij, no norte da Síria, onde passou a infância.

Esse foi só o começo de um longo, tortuoso e perigoso caminho rumo a um lugar mais seguro. Uma jornada que só terminou em outubro de 2015, com a família separada – os pais, na Turquia e os filhos, na Alemanha.

A partir de agora, a história que acompanhamos é a da fuga da garota “mimada”, como ela se considerava, e de sua irmã Nasrine, 9 anos mais velha.

Nujeen, hoje com 18 anos, diz que não há heróis nessa história, embora Malala tenha dito que ela era uma heroína. Mas empurrar uma cadeira de rodas por três meses e nove países e ser responsável pela vida da irmã temporã nascida com paralisia cerebral, mesmo quando não havia garantia nenhuma de segurança ou sobrevivência, como quando atravessaram de bote inflável, Nujeen sobre a cadeira e Nasrine a segurando, até Lesbos, na Grécia, coloca a irmã mais velha, estudante de Física quando a guerra estourou, nessa posição.

Mas uma história contada por uma menina que viveu seus primeiros anos trancada no 5.º andar de um prédio sem elevador, que não foi para a escola porque sua paralisia afetou a mobilidade e tirá-la de casa era uma tarefa e tanto, que aprendeu tudo o que sabe, e não é pouco, assistindo à televisão, e que empreende uma viagem “rumo ao desconhecido” tem mais apelo.

Nujeen – A Incrível Jornada de Uma Garota Que Fugiu da Guerra na Síria em Uma Cadeira de Rodas foi escrito pela menina em parceria com Christina Lamb, autora, também, de Eu Sou Malala. É o testemunho, ainda não elaborado, de uma guerra em andamento. O relato sincero de alguém que conseguiu escapar, e que só agora pode respirar aliviada e viver uma vida compatível com a sua idade: ir à escola, ouvir música, ter amigos.

“Estou segura e não tenho mais medo de estar no meio de um bombardeio”, diz ao jornal “O Estado de S. Paulo”, com uma voz doce e o inglês impecável que aprendeu assistindo aos documentários da National Geographic, úteis também na hora em que o pânico batia, e à novela Days of Our Lives.

A jornada de Nujeen rumo à Alemanha, onde seu irmão mais velho, cineasta, vivia desde antes de ela nascer, somou 5.785 quilômetros. O custo total para ela e a irmã foi de ¤ 5.045, gastos com atravessadores, subornos, botes, coletes salva-vidas, passagens de ônibus, trem, avião, táxi, o primeiro lanche no McDonald’s e chips de celular.

Nujeen saiu de casa em 2012 e nunca mais voltou. Passou os dois primeiros anos da guerra no Norte. Depois, com o Estado Islâmico em ação por ali, atravessou para a Turquia. E seguiu para a Grécia, Macedônia, Sérvia, Croácia, Eslovênia, Áustria e, finalmente, Alemanha. Para onde olhava, via um mundo novo – e centenas de refugiados como ela, em filas por estradas sinuosas, à espera de um bote à beira-mar, em praças negociando o próximo trecho da viagem com desconhecidos, chorando a morte de um familiar. Todos em profundo desamparo.

Cada detalhe da viagem, da vida antes da guerra e do recomeço no novo país estão registrados na obra narrada por alguém que começa encarando a experiência como uma aventura e que, aos poucos, vai tomando consciência do horror. Por exemplo, foi só ao deparar com a cerca construída pela Hungria na fronteira com a Sérvia para barrar os refugiados, ao ver o rosto perdido de seus conterrâneos sem saber para onde ir, que ela se viu no meio de uma grande tragédia, ela conta.

“Sei que muitas pessoas na Europa nunca tinham ouvido falar na Síria até a guerra começar, mas gostaria que pensassem em nós como pessoas. Pessoas orgulhosas de sua cultura, cidades, história, comida e de sua cordialidade para com os países em guerra”, diz. “É humilhante termos nos transformado em um problema que precisa ser resolvido, num pesadelo”, diz a garota que vive com as irmãs e sobrinhas em Wesseling, perto de Colônia.

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