Depois de marechais, generais, presidentes do tipo pai dos pobres e bossa nova, elegemos mandatários que não concluíram o mandato, presidentas golpeadas pela verborragia arcaica, singular e mal interpretada, passando por vices que engoliram ou atropelaram o titular na encruzilhada da política sem eira e nem beira. Também tivemos um tenente que viveu – e vive – para derrubar o Capitão Gancho. Nada, porém, pode se assemelhar àquele presidente que deixou a Presidência da República curupiramente de pés trocados e nunca mais voltou a Brasília.
Falo de Jânio Quadros que, antes de partir deve ter hipoteticamente dito aos assessores: Sabo-lho que mãe só tem uma. Por isso, vou para que não se lembrem da minha. É claro que ele jamais diria isso. Entretanto, disse e fez coisas muito piores. Por exemplo, proibiu rinhas de galo e o uso do biquini. A mais grave foi sua inesperada renúncia, fato que provocou uma crise militar que, por muito pouco, não terminou em guerra civil. Tudo isso é passado e não nos interessa mais. Vale lembrar somente do folclórico Jânio Quadros.
Companheiro de ginásio do falecido ministro José Paulo Sepúlveda Pertence e irmão do embaixador e ex-governador biônico do Distrito Federal José Aparecido de Oliveira, o ex-procurador da República Modesto Justino de Oliveira Júnior fez parte da secretaria particular de Jânio na Presidência da República. Modesto morreu em 2016, aos 80 anos, mas nunca desmentiu uma história sobre o ex-presidente após a posse, em 1986, como prefeito paulistano. Antes da prefeitura, Jânio Quadros fora governador e prefeito de São Paulo e o 22º. presidente brasileiro por sete meses.
Renunciou ao Planalto em agosto de 1961, alegando que “forças terríveis” o obrigaram a esse ato.
Erudito, craque no uso de mesóclises e de factóides midiáticos, permanece autor de frases célebres – algumas que ele não disse -, entre elas “Fi-lo porque qui-lo”, “O PMDB é uma arca de Noé, sem Noé e sem a arca” e “Bebo-o, pois líquido é, se sólido fosse, comê-lo-ia”. No seu último mandato eletivo, foi eleito prefeito de São Paulo em 1985, numa disputa com Fernando Henrique Cardoso. No dia da posse mandou desinfetar a poltrona de prefeito, “porque nádegas indevidas se sentaram nela”. A alusão era a FHC, que se sentara na cadeira na véspera das eleições, dois meses antes do seu empoderamento.
Poltrona desinfetada, vassoura presidencial aposentada, Jânio Quadros, já sem o vigor de décadas anteriores, tornou-se um homem e político menos intenso, consequentemente mais light. Por meio de um repórter que fazia a cobertura do Palácio do Anhangabaú, o então prefeito ficou sabendo que uma suposta prima distante ficara famosa ao estampar, em 1985, a capa da revista Playboy como viera ao mundo. Era a modelo Luciane Quadros. Ao ver as fotos, principalmente o pôster central da edição 123, Jânio babou e respondeu à indagação sobre a relação com a moça. “Não a conheço, mas é muito bonita. Se fosse mais jovem, comê-la-ia. Como já sou velho, como Eloá”.
Dona Eloá Quadros foi sua mulher por 48 anos. Ela morreu em 1990, com 67 anos. Jânio foi ao seu encontro dois anos depois, aos 75 anos. Sessenta e quatro depois, seu jingle de campanha – Varre, varre vassourinha, varre a corrupção – continua na moda. A diferença é que, no Brasil de hoje, o lixo é muito mais inteligente. Ele acontece, mas, com um simples desmentido, deixa de acontecer. Quanto a verborragia de Jânio, a de hoje é mais letal. Dita em capitanês ou em bolsonarês, qualquer mentira vira verdade. O lulês precisa ser entendido. E ai daqueles que discordarem. Depois da pandemia, poucos são os que se conformam de já terem sido. Ou seja, de Jânio para cá o Febeapá brasileiro mudou para pior. Para os que não se lembram Febeapá na linguagem de Stanislaw Ponte Preta quer dizer Festival de Besteiras que Assola o País.
*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978