Notibras

De milagre em milagre a gente vai agradecendo e levando a vida

” – Te entrega, Corisco!
– Eu não me entrego não.”

Em viagem de descanso das atribulações pertinentes à vida de escritora ela acabou lembrando de algumas passagens “nonsenses” de seu conto “As Marias de San Gennaro”.

Para quem ainda não leu essa publicação da editora Insular na coleção Palavra de Mulher é necessário algum spoiler. San Gennaro não tem talento nenhum para administrar crises, mas é expert em caçar talentos… O santo não faz milagres com as próprias mãos, mas encaminha suas devotas fervorosas a tantos santos e santas especialistas como nenhuma beata de plantão colocaria defeito.

Foi a fisioterapeuta que sugeriu àquela autora que se hospedasse num resort top, no interior de “Chanta” Catarina. Surpreendentemente, o hotel está repleto de funcionários com diversos sotaques brasileiros e latinos: pessoas com sintomas de estresse e de falta de treinamento… Trata-se de uma torre de Babel inserida nesse redemoinho social de exploração do trabalho e do trabalhador.

Uma alma pia poderia supor que tal empresa do ramo de hotelaria está passando por um momento de crescimento desorganizado…

Imbuída de know how acumulado ao longo de várias décadas de residência paulistana, a escritora pensou: “essa empresa está criando galinha no quintal para economizar ração … A relação custo benefício é boa, mas muitas galinhas vão parar na panela do vizinho.”

Isso não é opção de gerenciamento sério… É desespero administrativo que passa como um trator em cima da saúde e da dignidade do trabalhador… Coisa típica de tempos sombrios, poderiam afirmar outros.

Apesar do local ser lindo, ela constatou que havia comprado gato por lebre. Soube (já era tarde!) que tal hotel é uma empresa familiar. Nele, as toalhas de banho não vêm dentro do plástico. Nem os cobertores. Mas isso não é fundamentado por princípios de preservação da natureza. Os funcionários que manuseiam as toalhas para entrega são os mesmo que coletam o lixo, usando as mesmas luvas. Tais pessoas apresentam sintomas como irritação e cansaço, sinal de que não receberam treinamento algum nem luvas extras.

A escritora procurou se acalmar, mas o mega barulho, a mega amplitude arquitetônica, a mega fila do self service levaram-na a falar um monte para o gerente!

Ele, por sua vez, disse que as pessoas do local não querem trabalhar e que a empresa tem que contratar pessoas de fora.

– Estou querendo entrar nas tão sonhadas férias e vem um gerente chorar mágoas nos meus velhos ombros e ouvidos. – pensou a criadora do personagem San Gennaro.

A suíte de preço seis estrelas que o invisível vendedor Pablo reservou para ela fica num corredor onde quase todos os quartos estão em reforma. O cheiro de tinta é grande. E o sindicato das escritoras ainda não conseguiu isentá-las de rinite.

No mega banheiro da ampla suíte, não tem um banco ou uma cadeira para a pessoa poder sentar para se vestir, após sair do box. E nem tapete antiderrapante.

O mega quarto é só para casal, nele não há cama avulsa e sim duas camas atreladas, de maneira que as cobertas são muito pesadas por terem o tamanho de cama king size. Isso dificulta que as pessoas que têm dificuldade de mover as pernas como atletas consigam sair normalmente da cama devido ao peso enorme daquelas cobertas.

Não há tomadas próximas à cabeceira das camas o que dificulta que mantenha o celular ao seu lado para poder usar como despertador, como lanterna e para dar tantos boas noites antes de dormir, como fazem todas as pessoas que sofrem de artrose ou não.

O armário do quarto é minúsculo e a decoração country tascou, numa mega parede rumo ao banheiro, uns desconfortáveis ganchos para pendurar roupa.

– Por que será que a decoração não priorizou as necessidades comuns às mulheres no trato de suas roupas? – indagou, olhando para o teto.

Foi daí que compreendeu… O teto era em desnível, e o armário embutido era da largura exata daquele desnível: pequeno, na verdade, perante a majestade arquitetônica.

A sujeira piorou na sexta-feira, dia em que sai e entra muita gente. Sim. Tudo é grande demais e isso quer se impor como justificativa de que as xícaras para tomar café ou chá possam parecer um mostruário de batom ou uma palheta com tons e sobre tons de marrom do mega quadro. Sujeira que sairia com uma lavagem que cumprisse etapas seletivas. Para borras de café encruadas é preciso usar produto à base de cloro. Para batom comum: sabonete. Para batom que dura vinte e quatro horas: fico devendo até consultar bioquímicos de tantas fábricas de cosméticos descontroladas pelos órgãos oficiais competentes.

No restaurante, tudo fica mais difícil para idosos e crianças porque é self service. O atendimento aos hóspedes dos diversos quartos do prédio de seis andares é concomitante. E tem mais os chalés que ela nem chegou a ver onde ficam.

Fico devendo as fotos pra você ter noção do tamanho do Titanic… Opps! Quis dizer bufê! Além de enorme, em torno dele circula muita gente! Pense no fluxo da paulistana Rua Vinte e Cinco de Março…

Recorta, congela. Clareia mais os cabelos dos transeuntes. Isso, está quase. Só falta contemplar que todas as crianças sejam louras. Fixou a imagem? A reunião do formigueiro humano não é para fazer compras e sim para tomar o café da manhã, almoçar, jantar… Todos ao mesmo tempo…

Alô, alô. Estamos no Sul, numa mega empresa do Sul que faz hotelaria nas coxas e fatura muito. Não tem cotas de contratação de funcionários. Quase todos são não locais, não qualificados, não treinados, explorados. Muitos não têm residência legal no país.

A criadora de San Gennaro respira fundo… Olha para o céu e se esforça para contatar com o elemento ar. Agradece mentalmente à professora Neuza e as sábias reflexões transmitidas nas aulas de meditação.

Na volta ao lar, recados perguntam se a escritora chegou bem.

– Estou bem, sim! Aqui no meu cafofo. Bem, quanto a chegar bem… Uma das quatro rodinhas da minha mala afundou no carrinho do tipo supermercado que usei pra trazer aqui pra cima, no apartamento. Tive que esvaziar a mala no corredor. Pôr as roupas uma a uma em cima das cadeiras da sala. Descer com o carrinho de supermercado com a mala vazia entalada e pedir, em espanhol, para o zelador mal humorado desengatar a roda da mala. Rir pra não chorar… Agradecer o contratempo que redundou em agilização já que desfiz a mala e as mochilas e já lavei meu maiô que trouxe molhado. Parece até que peguei encosto do ritmo de um ser chamado Mercado.

– Ah! Esqueci de contar: a piscina coberta e aquecida é um oásis, um breque ao comportamento de estresse populacional dos outros ambientes. Lá as pessoas até puxam papo ou conseguem ter um olhar vizinho.

Talvez um milagre de São Gennaro – um clérigo que morreu de emboscada!

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