E se?
De olhares por anos, a faculdade, os casamentos e a decepção na cama
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Luciano, Lu, e Priscila, Pri, tinham 18 anos. Estavam viçando, descobrindo música popular e erudita, cinema, teatro, literatura, artes plásticas, amor e sexo, tudo num turbilhão, tudo ao mesmo tempo. E a política. Os dois participavam do grêmio do colégio, combatiam o moribundo regime militar. Foram juntos ao gigantesco comício da Candelária, no Rio de Janeiro, em 1984, por eleições diretas para a presidência da República. Foi ali que, de repente, Pri o beijou.
O rapaz levou um susto, mas a beijou de volta no mesmo instante. Ficaram absortos um no outro, repartindo sua atenção entre as palavras inflamadas dos oradores e os lábios e a língua do(a) parceiro(a). Nem esperaram o final do evento, pegaram um ônibus e voltaram para o bairro da zona norte onde residiam, de mãos dadas, Pri com a cabeça recostada no ombro de Lu.
Se a moça parecia entregue, relaxada, o jovem estava tenso, morrendo de medo. Para começar, não dispunha de um local onde levar Pri. Sem dúvida, podiam encostar em algum muro e, no mínimo, se pegar, mas ele sentia que a jovem merecia mais.
Mas o motivo principal de receio podia ser sintetizado na expressão “e se?”. E se ela, que tomara a iniciativa de beijá-lo, se mostrasse mais experiente que ele? E se Pri ficasse decepcionada com o seu desempenho?
Por tudo isso, Lu a deixou na porta de casa, dando-lhe um casto selinho de despedida, e foi para a residência de sua família.
No dia seguinte, bem cedo, o telefone tocou. Era Joana, irmã de Pri.
– Oi cunhado – disse a guria de 16 anos. – Que bom que você e Pri estão namorando!
– Na…namorando? – gaguejou Lu. – Não, não estamos. A gente meio que ficou no comício, mas não somos namorados.
– Entendo. Tudo bem – o tom era gelado, as palavras pareciam vir da Antártida. – A gente se vê depois, tchau.
Pri e Lu nunca mais ficaram, nem mencionaram o sucedido. Namoros efêmeros se multiplicavam que nem erva daninha entre a turma do colégio, mas os dois permaneciam distantes um do outro. No máximo, trocavam olhares especulativos, olhares “e se?”. Tanto negativos, “e se fosse um fracasso?”, quanto esperançosos, ”e se ele(a) fosse o(a) parceiro(a) ideal de minha vida?”.
O tempo passou, o casal que não rolou entrou em faculdades diferentes, Pri em Engenharia, Lu em Direito. Ambos casaram no mesmo ano, 1990. Mas matrimônio é, cada vez mais, gênero perecível, com prazo de validade estampado no rótulo. O de Pri durou 8 anos e não teve filhos; o de Lu, de 12 anos, trouxe ao mundo duas crianças.
Certo dia, caminhando pelo centro da capital, os dois se esbarraram.
Sentaram-se em um banco e começaram a conversar. O homem dirigiu-lhe a mirada especulativa de sempre, mas dessa vez Pri reagiu.
– E então, Lu? Vai continuar com esse olhar canino estampado no rosto, misto de cão medroso e cachorro pidão?
– Nu…nunca falamos sobre isso. Vo…você sabia que eu tinha medo?
– Claro que sabia! – explodiu a mulher. – Era a única explicação pra você não ter chegado junto. Nem no tempo da faculdade, nem depois do casamento. Provavelmente nada teria acontecido, fui fiel a meu marido, mas um homem com H maiúsculo teria tentado. Mas você não, continuou a me mirar de longe, com esse olhar canino no meio dos cornos!
Incomodado com a referência nada lisonjeira, Lu tentou abreviar a conversa e ir embora, mas Lu não permitiu.
– Nada disso Lu, hoje a gente vai fazer. Como devia ter feito em 1984.
Os dois entraram em um hotel, conseguiram um quarto e transaram. E, como Lu havia previsto, foi uma decepção.
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