José Escarlate
Voltando no tempo, a Copacabana de hoje transformou-se em um bairro de passagem, rendendo-se ao charme de Ipanema e Leblon. As boutiques passaram a enfeitar a rua Visconde de Pirajá e, mais tarde, a avenida Ataulfo de Paiva. As boates quentes da noite, como o Hipopotamus, também foram para lá.
Os bons cinemas do velho bairro também disseram até breve. O Metro Copacabana, dono do melhor ar refrigerado do Rio, disse adeus com o fim dos anos dourados. Ali, todas as noites, os velhinhos de plantão ficavam parados horas, pegando o seu fresquinho. Nos dois sentidos. Hoje o cinema virou loja da americana C&A. Ao lado, havia o Art Palácio, com seus filmes europeus, que virou sapataria e hoje abriga outra loja de departamentos e, ainda, o cine Ritz, ao lado da Confeitaria Copacabana, rival da Colombo.
Na Barata Ribeiro o cine Condor, especialistas em filmes franceses. transformou-se em discoteca, que depois faliu. O velho Rian, um dos melhores do bairro, em plena avenida Atlântica, no coração do sempre badalado posto quatro e meio, deu lugar ao elegante hotel cinco estrelas do grupo português Pestana. O cine Roxy, um dos maiores do Rio – só perdia para o Astória, que foi sede da finada TV Excelsior, no Bar 20, Ipanema -, fechou durante algum tempo e depois foi reaberto com quatro salas de espetáculos.
O Ricamar virou minimercado. A Copacabana do meu tempo era uma verdadeira Cinelândia. A sessão das 10 da noite era a mais concorrida. Depois do cinema a ordem era cair na noite. Muita gente gostaria mas não teve a sorte de viver os Anos Dourados da minha Copacabana, onde amei muito, mas também sei que fui amado.
Tudo se transformava num território boêmio, o que aguçava minha curiosidade de garoto imberbe, nos meus 16 anos. As boates tinham sua atmosfera enfumaçada, evocando o amor magoado e a dor de cotovelo. O desfile de socialites era uma festa. Os holofotes se voltavam para Teresa e Didu de Souza Campos, que a mídia de então chamava de Casal 20. Ela, hoje, é princesa da Casa Orleans e Bragança. Havia Lourdes e Álvaro Catão, que mais tarde dariam um enorme rebu, por conta de um filho que não era filho dele com ela, mas de um irmão dele com a própria cunhada.
Desfrutávamos no Rio, que vivia o auge do charme, da elegância de Lili de Carvalho, mulher do jornalista e empresário Horácio Carvalho, dono do Diário Carioca. Com a morte do seu Horácio, ela casou-se com Roberto Marinho. O filho deles, meu amigo Horacinho, companheiro de vadiagem na praia, morreu num desastre de carro quando ia para Cabo Frio com a namorada, a cantora Silvinha Teles, que também se foi. Foram momentos tristes e alegres, mas vividos e cantados em prosa e verso.
Na hora dos shows nas boates, no início da madrugada, ficava até gente em pé na porta, como eu e a nossa turma, para assistir Leny Eversong, Angela Maria, Cauby e outras atrações da época, de graça. Havia ainda o Perroquet, o Bambu e a boate La Conga, na Prado Júnior, que era uma das mais desfrutáveis, com lindas uruguaias comandadas pela Madame Lili. Elas eram disputadas pelos maridos fujões, com habeas corpus.
No caixa da boate, sempre com sua indefectível piteira negra, Madame Lili, que adorava garotos, controlava o ambiente atrás do seu riso fácil. Dizia “bonsoir”, enquanto faturava. Além dos pianos sonolentos, vez por outra um cantante argentino dedilhava choroso tango ao violão, ao lado do bandoneon. Sem ser saudosista, posso dizer com orgulho que vivi um bom tempo.