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De torcedor a corno, todo brasileiro tem um pouco

Casal abraçado durante o eclipse total da lua, em que o astro ganha tons avermelhados, conhecido como Lua de Sangue, no Forte de Copacabana.

Enquanto esperava o táxi para a estação lunar, usei largamente o bonde da minha rua. Nos estribos da marinete, circulei entre o sagrado da Igreja Sertaneja Coice do Capeta e o profano da Vila Mimosa, onde descobri que não podia passar por esta vida, envelhecer e não participar de uma festa dessa. Depois de algumas tentativas frustradas de conversão à seita Meninos de Deus, optei por ingressar no CCC do meu bairro.

Os tempos eram bicudos e nada simpáticos aos que já tinham a alegria como modus vivendi. Aceitar as regras e as ordens da época era sinônimo de assumir como nossa a encenação do milagre brasileiro e, ao mesmo tempo, fingir que estávamos adaptados àquela realidade sem sentido.

Desde então inventaram uma tal caçada aos comunistas. Por isso, minha adesão ao Comando de Caça aos Cornos, entidade filantrópica e paramilitar, destinada a combater, carinhosa e efetivamente, o movimento contrário aos galhos que nascem (ou já nasceram) no couro cabeludo de todo brasileiro.

Lembrando que o tal do chifre é somente uma besteirinha que colocaram em nossas cabeças, divirjo categoricamente daqueles que juram que nunca usaram o penduricalho, que pode ser fixo ou de tarraxa. Obviamente que, apenas por uma questão de informação, a maioria de nós não sabe. Melhor assim, pois evitamos contratempos, reações desavisadas ou respostas mentirosas a cada esquina.

Dizer que é intriga da oposição ou coisa de fofoqueiros também não cola mais. Aprendi cedo com Dona Giselda, a gerente da Vila Mimosa, que, mais funcional do que a terapia de casal, é a aceitação. Escolada na saliência, mestra na horizontal e doutora nos ensinamentos do prazer, a prendada senhora dizia sempre que, sentado, deitado ou cornificado, o bom da vida é viver. O resto é morrer para a vida.

Sobre o tema, após consultas nos 26 estados da Federação e no Distrito Federal, descobri que há variações estaduais. Em são Paulo, a terapia ainda é o que vale.

No Rio de Janeiro, onde é preferível ser corno do que nunca ter chegado perto de uma potranca, o negócio vira “trisal”. Em alguns estados do Nordeste, o cidadão até agradece por dividir com o chamado Ricardão a mulher que ela acha mais feia do que a Maga Patológica. Em outras praças nordestinas, o marido traído pega a peixeira, mata os traíras e, no dia seguinte, já está casado com outra sereia. Também tem aqueles que se fantasiam da abundante e fértil Cornucópia e vão dançar frevo nas ladeiras de Olinda.

Em Curitiba, o sujeito ignora o fato e não reage, pois se recusa a falar com estranho. Já o mineiro mata o antagonista e mantém o casamento, exatamente como determina a Tradicional Família Mineira (TFM).

Há locais (melhor não dizer onde) em que o marido expulsa a esposa de casa e firma relação com o marmanjo. Em estados do Centro-Oeste, a reação é inesperada, depressiva, musical e financeiramente muito mais viável do que o casamento.

Por exemplo, o anedotário confirma a tese de que os goianos cornificados, depois de curar a depressão, saem às ruas com a viola na mão em busca de um parceiro para montar mais uma dupla sertaneja. Radical, raivoso e despreocupado com o sofrimento das massas, o corno brasiliense segue para o Congresso Nacional e sugere ao primeiro deputado ou senador que encontre a criação de mais um imposto.

Gosto mesmo é dos baianos, cuja maior alegria é a constante preguiça. Como tenho medo da robustez física e da baianidade silenciosa do povo da terra de Antônio Carlos Magalhães, claro que nunca entrei em detalhes sobre o chifre no Pelourinho ou na Praça Castro Alves. No entanto, é obvio que para o baiano esse negócio de arrumar amante, tirar a roupa, fazer sexo e ser descoberto pelo marido alheio dá muito trabalho, dá uma canseira, um sono danado.

Fosse viva, Dona Giselda certamente teria me ensinado que o tubarão que deixa a filha de Poseidon em casa e sai para comer sardinha normalmente vira peixe boi. De minha parte, acho mau-caratismo zoar o corno. Afinal, ele foi o único fiel. Ser ou não ser, pouco importa. Não se pode colher rosas sem temer os espinhos.

Importante e triste é nossa dependência. Somos tão dependentes que até para ser corno precisamos da ajuda da mulher. E quem nunca foi que atire a primeira pedra. Pelo sim, pelo não, rogo a Deus pela galha nossa de todos os dias.

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