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Deixe de bravata. Você é presidente, Bolsonaro

Conceito comum entre filósofos e líderes espiritualistas é que nós, seres humanos, evoluímos de duas maneiras, ou pela dor ou pelo amor. Raramente, o processo se dá pela segunda via. A verdade é que somos todos encrenqueiros. Sempre achamos que temos razão em tudo, e é bem fácil criticar, julgar, condenar e atacar. Esse é o nosso perfil médio. Quando melhoramos, episodicamente, é pela via da dor, causada pelas consequências das próprias atitudes. Somos todos “farinha do mesmo saco”, com variações mínimas.

Não obstante, chamam a atenção alguns casos, que se destacam pelo excesso de beligerância, intensidade e constância. O presidente da República parece ser um ponto fora da curva, aparentemente incapaz de aprender por qualquer das duas vias.

Enquanto deputado federal, não filtrava palavras. Usava dessa estratégia para ganhar algum destaque no ambiente que não lhe dava a menor importância. Naquele tempo, as consequências de suas atitudes eram suportadas por ele próprio, exclusivamente. No famigerado atrito com a deputada Maria do Rosário, para mencionar apenas um exemplo, acabou oferecendo à rival, de mão beijada, a munição que a ela interessava.

Virou réu em duas ações judiciais, uma cível e outra criminal. De brinde, ainda foi denunciado pela Procuradoria-Geral da República numa terceira ação. Mais do que isso, angariou contra si a antipatia de milhões de mulheres, as críticas severas da imprensa, mais o rótulo internacional de misógino. Conviveu, durante meses, com a angústia de sofrer condenação criminal antes do pleito e enfrentar teses inimigas de uma suposta inelegibilidade. Parece que nada disso serviu de lição!

Hoje, não é mais um deputado do baixo clero, mas o líder máximo da nação, a oitava economia do planeta. As consequências de seus pronunciamentos impõem a todos os brasileiros uma fatura a pagar. O discurso e a postura do presidente constroem, ou destroem, a imagem do nosso país. A Amazônia desperta diferentes interesses internacionais. Dependemos de habilidade diplomática para manter a cobiça estrangeira à distância e a nossa soberania respeitada. Não será com ofensas, beligerâncias, fanfarronice, bravatas e falta de educação que defenderemos nossos interesses.

Ao atacar os líderes europeus, de forma impulsiva, o presidente compromete a imagem do país e coloca em risco nossos interesses comerciais. Ironias de cunho pessoal não só dificultam as relações, como despertam o rancor entre os chefes de Estado — o que, obviamente, não resultará em nada positivo para o Brasil.

Pela evidente incapacidade de aprender, pela dor ou pelo amor, o presidente vem se incumbindo de destruir todas as relações diplomáticas tradicionalmente cultivadas pelo Brasil. Assim como fez com a deputada, insiste em oferecer, gratuita e desnecessariamente, toda a munição que interessa àqueles que têm os olhos voltados para a Amazônia. Muito em breve, o preço será pago por todos nós.

O mínimo que se espera do presidente da República é que tenha discernimento e compreenda o seu atual papel. E, nesse caso particular, que entenda que a Europa não é igual a Maria do Rosário.

** Ex-ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência; coordenador da campanha de Bolsonaro em 2018
Texto publicado originalmente em O Globo

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