Morte da vaidade
Delegado com perfil de Sherlock Holmes vai comandar os federais
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emToda reportagem começa com seis perguntas básicas: o quê (a ação), quem (o agente), quando (o tempo), onde (o lugar), como (o modo) e por que (o motivo). Já uma crônica, escrita em prosa, não se prende necessariamente a um fato concreto. Em outras palavras, ao cronista, ao contrário do repórter, é dado o direito de enxertar uma ou outra palavra, florindo o acontecimento central do fato. Como vivo já há algum tempo uma transição da condição de repórter para a de um cronista, decidi anunciar mudanças que estão vindo por aí, a curto prazo, no âmbito da Polícia Federal. Temos, portanto, o fundamental, que é a ação.
Sabendo-se de antemão o que acontecerá, anunciam-se os nomes dos principais personagens: os delegados classe especial da Polícia Federal Andrei Passos Rodrigues, e William Marcel Murad. O primeiro é diretor-geral da instituição; deixará o cargo para ocupar um posto na embaixada do Brasil em Washington. O segundo, hoje adido da PF na representação diplomática brasileira em Londres,, voltará a Brasília para comandar os federais, trazendo toda a experiência adquirida nas relações com a Scotland Yard. Virou uma espécie de Sherlock Holmes com sotaque tupiniquim.
Já temos, portanto, as respostas exigidas por quem pratica o bom jornalismo: o quê, quem, quando, onde e como. Falta dizer dos motivos. Cabe anotar, porém, um pequeno currículo do homem da PF na cidade dos pub’s: antes de ser mandado para fora do país por Jair Bolsonaro, Marcel Murad foi coordenador da Delegacia de Combate ao Crime Organizado e posteriormente diretor de Tecnologia da Informação e Inovação, da Polícia Federal. Só isso, dizem as más línguas, justificaria o desejo de Bolsonaro ver o delegado bem longe.
Uma crônica, como um conto de fadas, pode começar com o famoso “Era uma vez…”. Isso mesmo. Em uma cidade movimentada e repleta de intrigas políticas, há um policial ambicioso prestes a ser transferido para a terra de Tio Sam. Ele sempre sonhou em subir na hierarquia da corporação, e estava disposto a fazer o que fosse necessário para alcançar seu objetivo. Sua estratégia sempre foi clara: usar a imprensa para promover a imagem de seu chefe, com assento na Esplanada dos Ministérios, acreditando que, ao fazer isso, seria recompensado. Seu erro, entretanto, foi querer agradar ao superior desagradando ao superior do chefe, que tem gabinete na Praça dos três Poderes..
Nosso personagem que faz lembrar a marca da cerveja que patrocinou Zeca Pagodinho, é um homem esperto, mas não soube exatamente como manipular as pessoas ao seu redor, embora tenha sido bem sucedido com a amiga íntima repórter e marqueteira, bem diferente do que é um repórter-cronista. Ele prometeu um recorde de sucesso se a repórter enaltecesse o chefe do chefe, colocando seu nome em destaque no telejornal de uma emissora com viés ideológico oposto, bem como em colunas e redes sociais. Animada com a perspectiva de subir na carreira – e na empresa de consultoria da qual faz parte – a moça começou a planejar uma série de eventos midiáticos para enaltecer o comandante-em-chefe.
O primeiro passo foi organizar uma coletiva de imprensa para anunciar uma grande operação policial que havia resultado na prisão de uma quadrilha perigosa. Trabalhou-se arduamente para garantir que todos os repórteres mais influentes estivessem presentes. No dia do evento, o futuro morador no exterior discursou longamente sobre a importância da operação e sobre como a polícia estava comprometida em proteger o País contra organizações criminosas politizadas. Nos bastidores, o delegado especial sorria satisfeito com o sucesso da empreitada.
Mas, o que ninguém poderia imaginar, é que o chefe geral acompanhava tudo de perto. Com sua barba branca e astuto, indicando anos de experiência, o senhor que tem uma cadeira lá na Praça dos Três Poderes percebeu rapidamente que toda aquela pompa tinha um objetivo claro: promover uns e outros e, por tabela, o ardiloso delegado. E o comandante, que já não o via com bons olhos, decidiu agir.
Em uma manobra inesperada, convocou-se uma reunião de emergência com o ocupante do gabinete da Esplanada, no prédio onde cascatas caem límpidas como lágrimas de bebês. Foi dito que o chefe do estagiário na Scotland Yard estava desenvolvendo ações nada republicanas para se promover, com evidências claras de que outras pessoas estavam sendo usadas na trama. O plano, em linhas gerais, era manipular a opinião pública.
A notícia rapidamente se espalhou, embora via sujeito oculto. Agora, o chefe perderá a função; será transferido para uma unidade longe dos holofotes e das ambições de poder com cada vez mais influência.
De um determinado parágrafo pra baixo, é crônica. Fica a critério do leitor discernir o ponto exato. O objetivo é tão somente mostrar que a busca incessante por poder e reconhecimento, quando feita de maneira atabalhoada, pode resultar em consequências desastrosas. Tem gente que aprendeu a lição da pior maneira. E ficou sabendo que em um mundo onde a integridade é fundamental, a verdade sempre prevalece. A PF, claro, vai manter seu curso. Só que logo, logo com uma nova liderança mais cautelosa e menos susceptível às armadilhas da vaidade.